domingo, 16 de outubro de 2011

Achei graça a esta entrevista...



Todos os homens são maricas quando estão com gripe


Pachos na testa
terço na mão

uma botija
chá de limão

zaragatoas
vinho com mel

três aspirinas
creme na pele

grito de medo
chamo a mulher

ai Lurdes Lurdes
que vou morrer

mede-me a febre
olha-me a goela

cala os miúdos
fecha a janela

não quero canja
nem a salada

ai Lurdes Lurdes
não vales nada

se tu sonhasses
como me sinto

já vejo a morte
nunca te minto

já vejo o inferno
chamas diabos

anjos estranhos
cornos e rabos

vejo os demónios
nas suas danças

tigres sem listras
bodes de tranças

choros de coruja
risos de grilo

ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo!

não é a chuva
no meu postigo

ai Lurdes Lurdes
fica comigo

não é o vento
a cirandar

nem são as vozes
que vêm do mar

não é o pingo
de uma torneira

põe-me a santinha
à cabeceira

compõe-me a colcha
fala ao prior

pousa o Jesus
no cobertor

chama o doutor
passa a chamada

ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada

faz-me tisanas
e pão-de-ló

não te levantes
que fico só

aqui sozinho
a apodrecer

ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.

                                                     António Lobo Antunes

3 comentários:

  1. Não vi a entrevista, mas costumo gostar das entrevistas de ALA. Talvez amanhã me abalance a vê-la.

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  2. Vi a entrevista e também gostei deste poema, publiquei-o mas não sabia que este era o título.
    Grata.

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  3. Publicado em "Letrinhas de cantigas" (Lisboa: Dom Quixote, 2002).

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