sábado, 27 de fevereiro de 2010

Erik Satie...

Para que a chuva adormeça!

Maria Madalena em glória


Arrumando livros encontrei, em um, uma marca. Era para esta Maria Madalena em glória ("Sainte Marie-Madeleine en gloire") pintada por Domenico ZAMPIERI "le Dominiquin", cerca de 1620, e que se conserva no Ermitage (Эрмитаж).
Segundo a Legenda Áurea, Maria Madalena, enquanto viveu como eremita, era elevada, cada dia, aos céus pelos Anjos. Um dos anjos - o de verde - tem na mão um "chicote" (usado na penitência) e na outra o vaso de unguento (o atributo de Maria Madalena); outro dos anjos - o de vermelho - mostra as vestes de eremita que lhe eram retiradas nesses momentos de glória.

(Rosa Giorgi, Les Saints, Paris, Ed. Hazan, 2002-2003 (col. Guide des arts), p. 258)
Quanto ao nome do Museu com H (para anglo-saxónicos) e sem H (para os italo-francófonos)... segui a forma de escrever eremita ou eremitério (em português)...

1981 - McCartney&Wonder

Este grande dueto foi gravado a 27 de Fevereiro de 1981.

Reconhecimento à Loucura


Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para
olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.
Almada Negreiros
Este post do dia 27.02.2010, pelas 18:32, ficou preso, como rascunho.

... lendo...

Na verdade, a Antiguidade é a juventude do Mundo e, propriamente dito, é o nosso tempo que é a Antiguidade, visto que o Mundo vai envelhecendo
Francis Bacon
(citado por Lima de Freitas, Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1977, p. 75)

Leituras no Metro - 6

«Le fantasme de l'image est l'un des fantasmes majeurs de notre civilisation. Il ya a eu le cinéma, la télévision et maintenant Internet. En réalité, même si vous pouvez faire apparaître toutes les créatures de vos rêves sur l'écran de votre oordinateur, le rapport au théâtre entre une femme sur scène et un homme dans le public restera toujours infiniment plus érotique, parce que ces êtres vivent dans l'instant des émotions qui relèvent de leur vie profonde. L'image a beu dominer notre époque, elle ne remplacera jamais la réalité. Nous serons toujours à l'ère des êtres de chair et d'os, et non pas à celle des images virtuelles ou des poupées gonflables!»
«Le miroir est un élément essentiel de ma recherche personnelle. J'ai écrit un texte sur la trilogie du danseur: le plancher, la barre et le miroir. J'y ai précisé que les deux premiers étaient des amis et que le miroir, en revanche, était très dangereux, parce qu'il est un traître. Il ne faut pas s'arrêter au miroir. Comme Alice, il faut regarder au-delà. Le miroir vous renvoie une image qui n'est jamais la vôtre, mais l'image qu'on a envie de voir de soi.»
Maurice Béjart – L’esprit danse / entretiens avec René Zahnd. Lausanne: La Bibliothèque des Arts, 2001, p. 182, 196

Lá fora - 71 : A musa de Matisse


Lydia Delectorskaya, proveniente da longínqua Sibéria, tem 22 anos quando conhece o já consagrado Henri Matisse, de 64 anos. A diferença de idades não impede que se forme uma enorme empatia entre o mestre e a jovem que se viria a tornar a sua última musa, servindo-lhe de modelo para uma centena de quadros a partir de 1934 e acompanhando-o até ao fim.
Esta exposição do Musée Matisse de Cateau-Cambrésis, terra natal do pintor, junta uma vintena de telas cujo modelo foi Lydia, bem como 120 desenhos, livros ilustrados e objectos pertencentes àquela.
- Lydia D., muse et modèle de Matisse, museu Matisse de Cateau-Cambrésis, 28Fev-30 Maio.

Cinenovidades - 113 : O Refúgio

Quando se tem tudo e ainda assim não se consegue largar a dependência de drogas. Espero que este Le Refuge, o mais recente filme de François Ozon, em exibição há um mês nas salas francesas não demore muito a chegar às nossas.

Bach pela manhã

E pela mão de uma das esperanças da pianística portuguesa, Júlia Teixeira de Azevedo, 14 anos, já vencedora de vários concursos internacionais.


«Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra»...
Quem chamou Chevrolet ao Morcego?

«Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra...»


Gravura de W. H. Burnett (fl. ca 1830-1860)
http://purl.pt/5544

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em [Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem [consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da [vida...

Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!

À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.

À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é [feliz.
Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que [está em cima
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada [real.
Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da [cozinha
No pavimento térreo, Sou qualquer coisa do príncipe de todo o [coração de rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me [perdi.
Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?

Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel [emprestado que eu guio?

Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero...
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei [ao vê-lo sem vê-lo,
À porta do casebre,
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,
O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida.

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...

Álvaro de Campos
In: Poesia. Lisboa: Ática, s.d., p. 37-39

Kaos

O grande Kaos está a publicar uma série inspirada pelo aguardado Alice no País das Maravilhas de Tim Burton dedicada aos nossos políticos. Escolhi esta do Pacheco Pereira como Humpty mas há personagens para todos os nossos "figurões" : Louçã, Portas e demais.
Espreitem no último blogue das nossas Afinidades Electivas: WE HAVE KAOS IN THE GARDEN.

A.S.: Escolhas Pessoais XIX

Cristovam Pavia



São alguns os poetas portugueses conhecidos e lembrados apenas por um poema. Por exemplo, João Roiz de Castel-Branco e a sua cantiga “Partindo-se”. Muitos, pelo único livro que publicaram: Cesário pelo “Livro de Cesário Verde” ou Camilo Pessanha com a sua “Clepsidra”. Quase sempre a prolixidade, em poesia, não rima com eternidade. Esquecido ou muito pouco lembrado está Gomes Leal que, no entanto, abriu caminho a Cesário Verde… Poetas há que tiveram sorte, outros má sina. Cristovam Pavia (1933-1968) foi um destes últimos. De seu nome completo, Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, era filho do poeta presencista Francisco Bugalho, e, pouco depois de completar 35 anos, interrompeu a sua própria vida cruzando o corpo ainda jovem com um comboio, ali para as bandas de Belém. Tinha começado a escrever e publicar poesia precocemente, em revistas: “Anteu”, “Árvore” e “Távola Redonda”. Em 1959 foi editado o seu primeiro e único livro, “35 Poemas”, na Moraes. Mas era um homem atormentado, com sentimentos de culpa e profunda religiosidade.

POEMA

Súbitos mergulhadores descendo nas águas inimigas
Com os olhos fitos e os peitos esmagados,
Descendo devagar, ao som lento de segundos vertiginosos como séculos
Todos nós vos acompanhamos e juntamos todas as nossas forças na mesma meditação.
Aqui, da terra firme,
Entre nuvens e terra,
Entre o suor e o orvalho,
Esperamos o termo com todas as nossas forças.
E sabereis a nossa mensagem:
Só há saída pelo fundo.

O seu desajustamento com o mundo não o impediu de ter cultivado amigas relações com José Régio e Casais Monteiro, bem como com poetas da sua idade ou geração: Pedro Tamen e António Osório. Mas a sua hipersensibilidade levaram-no por duas vezes até Heidelberga onde inicia uma psicoterapia e, ao mesmo tempo, trabalhará como pedreiro na construção civil.
Os poemas iniciais de Cristovam Pavia são, muitas vezes, voltados para a infância como numa tentativa de regresso a um paraíso perdido. Os finais, de extrema simplicidade, numa linguagem clara, mas quase sempre de tom elegíaco e grande carga dramática, falam de sentimentos e da vida de todos os dias. O poema que a seguir se transcreve, e que fez à morte do seu cão, é um bom exemplo disso – e, do meu ponto de vista, uma das mais belas elegias da poesia portuguesa do século XX.


Pintura de Mário Botas

AO MEU CÃO

Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo… e apesar disso, sem pedido, tentando
Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas,
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.

P. S.: à MR, pela paciência, disponibilidade, generosidade e incentivo. Afectuosamente.

Post de Alberto Soares

Uma exposição no Museu Nacional Machado de Castro:

Terra, mão e fogo
Cerâmica,
a Fotografia ao serviço das obras de Arte
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Gostei desta fotografia com a peça à qual intitulo: o pecado.
Jorge Mealha, 1923 (de acordo com a legenda in loco)
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Terracota modelado, 44 x 36 x 17 cm, Museu Nacional do Azulejo

No Criptopórtico de Aeminium.

Amanheceu com sol…

Em redor das ruínas
nasceu, com regozijo pleno,
o edifício tal como a Vénus,
renascido para louvar Roma.
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Museu Nacional Machado de Castro, desde meados do século I ao século XXI
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Grades pequenas escondem
o tesouro
entre o cinza e o branco
da pedra
impera o silêncio.

Silêncio
no criptopórtico de Aeminium

A luz e a sombra

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Boa noite!


Como ando há uma semana a ouvir música de Nino Rota...

Sugestão...


Talvez amanhã, talvez domingo, talvez para a semana...

O calendário de Edmund Spenser

Como já referi, conheci este poeta na viagem que fiz a Londres este Verão. Ao procurá-lo na net deparei com o calendário de "pastorais" e este encantou-me. Resolvi partilhar as imagens impressas pelo Prof. W. L. Renwick.
Janeiro já passou e Fevereiro está quase no fim, resolvi juntar as duas imagens. O calendário era acompanhado de éclogas, um poema em forma de diálogo ou de solilóquio sobre temas rústicos, cujos intérpretes são em regra pastores. Inicialmente, o termo, que significava "poesia seleccionada", foi aplicado aos poemas bucólicos de Virgílio. Luís de Camões, Bernardim Ribeiro, António Ferreira e Sá de Miranda deixaram poemas deste género.
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"A écloga clássica parte quase sempre de um quadro idílico, o locus amoenus ou lugar aprazível, e desenvolve com certa brevidade o louvor de uma pessoa, por razões sentimentais, reflecte sobre a condição do poeta e/ou da própria poesia, ou entretém-se com subtilezas políticas ou religiosas".
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Dicionário de Termos Literários. http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/ecloga.htm
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Works of Edmund Spenser, Volume I edited by Professer W. L. Renwick, printed at the Shakespeare Head Press in St Aldates Oxford and published for the press by Basil Blackwell in 1930.

"The decorations were designed and engraved on wood by Hilda Quick, and those in The Shepheardes Calender were based on the woodcuts in the original editions printed in quarto by Hugh Singleton in 1579. The initial letters and the letterings for the title-page and headings were engraved by Hilda Quick from designs by Joscelyne Gaskin".
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No Haiti

Mais um vídeo que nos interroga sobre os limites do jornalismo: Anderson Cooper, uma das caras mais conhecidas da CNN, depara-se com uma vítima dos incidentes que se continuam a registar na capital do Haiti, Port-au-Prince.

Lotação Esgotada...

Hoje à tarde vai ser ouvido na Comissão de Ética da Assembleia da República o arquitecto José António Saraiva, director do Expresso durante anos a fio e actualmente do Sol.
Mais um dia em cheio para o canal Parlamento que tem transmitido estas audições em directo e na íntegra no cabo. Nunca tal canal foi tão visto.

Cioran - 7 : Dos judeus

- Interior da sinagoga berlinense da Rykestrasse, a maior e dizem que a mais bela da Alemanha. Construída em 1904, foi incendiada e pilhada em 1938 ( Noite de Cristal ) tendo sido usada como armazém e estábulo da Wehrmacht durante a Segunda Guerra. Foi reinaugurada em Agosto de 2007.


Leurs anciennes lois interdisaient aux Juifs de prédire l'avenir. Juste défense. Car s'ils avaient prévu ce qui les attendait, auraient-ils eu la force de se maintenir, d' être eux-mêmes, d'affronter les surprises d'un tel destin?


-E.M. Cioran
, Ébauches de vertige, p.122, Gallimard, 2008.

Filosofia no CLP

Avizinha-se mais um workshop de Filosofia Prática e Pensamento Crítico no Clube Literário do Porto. A coordenação é de Tomás de Magalhães Carneiro.

Bom dia!

Eram os The Eagles quem dominava as tabelas de vendas a 26 de Fevereiro de 1977 com esta There's a new kid in town que ainda hoje se ouve com muito agrado.


Gravura de Baquoy, ca 1795.

«Ce qui touche le coeur se grave dans la mémoire.»
Voltaire

Peixes - 3


Londres, Museu Britânico

Alegoria ao Amor

Garofalo (1476-1559)
Óleo sobre tela (1527-1539), 127x177,8 cm

Dos cerca de oito quadro (se não me falha a memória) que de Garofalo se guardam no "The National Gallery", em Londres, este era o último, cronologicamente falando. E lembrei-me dele, hoje, depois de ver o filme Avatar, que é, também, uma alegoria ao Amor.

Um piano sui generis!

Após o post de MR com os sapatos do V&A, lembrei-me que gostei deste piano que faz parte da colecção deste museu. Confesso que não me lembro qual foi o costureiro. Talvez Dior?
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As Três Graças!

De Rafael a Picasso dois conceitos de beleza.
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Rafael, As três Graças, c. 1503/4

As Três Graças, Museu Condé, Chantilly
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Pablo Picasso, As Três Graças, 1925

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Homenagem a Cesário Verde antes que o dia acabe!

Tinha em rascunho este poema porque não encontrei O Livro de Cesário Verde. Neste momento, o meu escritório está em estado caótico com livros por todo o lado sem uma arrumação sistemática. Não tive um bocadinho para procurar referências. Como gosto muito deste poema decidi colocá-lo na mesma, apesar de ter sido retirado da net.

O Sentimento dum Ocidental

I

Avé-Marias


Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.


O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.


Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!


Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.


Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.


E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!


E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.


Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!


Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.


Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.


Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

(...)
Cesário Verde

Números - 6

( Não consegui descobrir quem é o autor da foto )

Em Março de 2009 escrevi aqui no blogue ( Cenas Portuguesas - 9 ) que a cumprir-se a previsão da OCDE de Portugal vir a ter uma taxa de desemprego de 10% teríamos um cenário social muito grave e de consequências imprevisíveis.
E a previsão da OCDE confirmou-se : em Janeiro de 2010 atingimos a barreira psicológica dos 10% de desemprego, com 563.300 desempregados oficiais. Um número que tendo em conta os agregados familiares afectados traduz um aumento brutal de concidadãos em estado de carência ou pré-carência.

Cinenovidades - 112 : É complicado...

Um trio de grandes actores, dois comediantes experimentados e uma actriz muito versátil, são os intérpretes deste It's complicated, o mais recente filme de Nancy Meyers. Uma comédia sobre o amor na "terceira idade" e "segundas oportunidades". Jane ( Meryl Streep ) há muito que está divorciada de Jake ( Alec Baldwin ), pai dos seus filhos e que a trocou por uma mulher muito mais nova, mas mantém uma relação de amizade com ele que em breve vai aquecer... Ao mesmo tempo, está a ser cortejada por Adam ( Steve Martin )...
Estreia entre nós dia 4 de Março.

Enquanto não chega o seu poema...


De bronze onde me vedes

mais que nunca poeta

Cesário sou dos verdes

versos que vou polindo

em guitarra de pedra.

( são os primeiros versos de Fado de Cesário Verde, poema de Natália Correia )

Novidades - 118 : Da beleza

Esta História da Beleza foi seguramente um dos projectos editoriais franceses mais ambiciosos do ano de 2009, visando demonstrar de uma vez por todas que se trata de um assunto sério, muito menos superficial do que às vezes se apregoa. Uma constante, aliás, de toda a história humana como ressalta desde logo do título da obra. Estes cinco volumes, cada um dedicado a uma época com a particularidade de o quinto ser dedicado ao futuro, são o resultado de uma vasta equipa de historiadores, antropólogos, jornalistas, pintores, escultores e outros artistas plásticos, com coordenadores de época de reputação considerável: Pascal Picq para a Pré-História, e Georges Vigarello e Marc Nouschi para épocas mais recentes. Mas será mesmo possível defini-la e explicá-la?

- 100.000 ans de beauté, 5 tomos, prefácio de Michel Serres, Gallimard, €150 ( mais barato online, na Amazon desde logo. )

Cesário Verde


Cesário Verde faria hoje anos. Ontem teria feito David Mourão-Ferreira.
Lá para o fim da tarde porei um poema de Cesário. Já estão a ver qual será...

1981 : Christopher Cross

O dia 25 de Fevereiro de 1981 é certamente inesquecível para Christopher Cross pois foi o dia em que ganhou 5 Grammies, entre eles o de melhor canção do ano ( 1980, naturalmente ) para esta Sailing.


Dino Valls mais uma escolha!

Voltei a este pintor e trouxe mais uma escolha por achar esta tela de uma beleza invulgar. O título que dou a este trabalho é um colar para dois pescoços. A simetria, a cor do traje e da paisagem, as pequenas diferenças nos rostos das duas mulheres e o penteado comum encantaram-me. O lado positivo e negativo que todos temos, o espelho, as duas visões contrárias, o lado direito e o lado esquerdo, o intelectual e o emocional parece-me que estão aqui simbolizados.
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Dino Valls, Rorschach, 1991.
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Temple de goma arábiga y óleo/ tabla 30 x 40 cm, Colección particular, Madrid

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Blogues - 8

Nesta minha lista de blogues mais ou menos insólitos, mas sempre interessantes naquilo que os motiva, cabe agora a vez a um português, o Pedro Procura Inês. É o blogue do Rui Faustino, de 27 anos, que continua a procurar a sua Inês, cujo rasto perdeu há vários anos. O Rui tentou a sua sorte colando cartazes nas ruas de Lisboa e procurando nas redes sociais, mas até agora todos os esforços foram infrutíferos. Quem sabe algum de nós conhece a Inês dele.

Podem espreitar aqui : http://pedro-procura-ines.blogspot.com/

Homenagem a um poeta!

Há 167 anos, no dia 24 de Fevereiro de 1843, nasceu em Ponta Delgada, Teófilo Braga, escritor, poeta, filósofo e político (governo provisório 5-X-1910 a 3-IX-1911 e presidente República entre 29 de Maio e 4 de Agosto de 1915).

Acalentar meninos

Embala, preta, embala
Menino do teu senhor;
Canta-lhe bem amoroso,
Anima-lo com amor.
Embala, preta, embala,
Como o fez San José,
Que os anjos cantarão:
Pater nostre domine.

San José, a trabalhar,
Embalava com seu pé:
“Calai-vos, Jesus Menino,
Nascido em Nazaré,”
Meu San José, acudi
Dai-me da vossa graça,
Com que enxugue ao meu menino
Suas lágrimas de prata.

Embala, preta, embala,
Como a Virgem faria,
Que os anjos cantarão:
“Gratia Plena Ave-Maria”.
Cantigas embalou Jesus:
-Calai-vos, meu bento filho,
Que haveis de morrer na cruz.
Nossa Senhora, acudi,
Dai-me o vosso tesouro,
Com que cale o meu menino
Que chora lágrimas de ouro.”
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Teófilo Braga in Cem Poemas Portugueses sobre a Infância

http://poesiaonline.wordpress.com/2007/12/09/acalentar-meninos/

Números - 5

No meio das "escutas" e da "luta pelo PSD" que dominou a agenda mediática da semana passada, houve uma declaração de Jerónimo de Sousa que passou quase por entre os pingos da chuva: " É preciso fazer uma nova reforma agrária! ". Registei-a e sorri.
Sorri porque tinha recentemente tomado conhecimento do número de processos ainda pendentes relacionados com a Reforma Agrária: 9.
Acreditem, é absolutamente verdade: ainda existem 9 processos de indemnização por ocupações de herdades. Ou seja, trinta e cinco anos depois das primeiras ocupações ainda existem processos pendentes, que devem estar concluídos no próximo ano, tendo sido entretanto indemnizados durante as décadas que foram passando quase 4.000 proprietários com um custo para o Estado de 240 milhões de euros.
Pelo que, ponderando o custo para o Estado e para os ocupados ( e nem todos eram, apesar da propaganda da época, ricos latifundiários ) da primeira reforma agrária, pedir uma segunda reforma agrária só pode mesmo fazer sorrir.

Ainda as cartas de jogar

Conforme poderão constatar no mais recente comentário ao post do J.P., cartas de jogar: um museu, está a ser formada a Associação Portuguesa de Cartas de Jogar, sendo uma das impulsionadoras a reputada investigadora Dra.Fernanda Frazão que foi quem teve a amabilidade de nos contactar. E lá para Outubro realizar-se-á em Lisboa um colóquio internacional sobre a temática.
Assim, quem estiver interessado na associação e/ou no colóquio pode desde logo ir até ao http://apenas-livros.com/ para saber mais.

P.S.- O baralho que escolhi é da Litografia Maia, com a particularidade de não ter o joker, mas sim o burro- lembram-se do jogo?

Fraternidade

La fraternité est ce qui distingue les humains.
Les animaux ne connaissent que l'amour.

Jean Guéhenno

Coisas da Arábia...


Na Arábia Saudita está prestes a ser aprovada legislação que visa alargar os direitos das mulheres sauditas. Desde logo, para as mulheres juristas: as advogadas já poderão ir a tribunal, e passam a poder ir ao notário sem terem de levar uma testemunha.

Agamben - 5

Ideia da vocação

A que coisa é fiel o poeta? A pergunta envolve certamente qualquer coisa que não pode ser fixada em proposições ou em profissões de fé memorizadas. Mas como se pode conservar uma fidelidade sem nunca a formular, nem sequer a si próprio? Ela teria sempre de sair da mente no próprio instante em que se afirma.
Um glossário medieval explica assim o sentido do neologismo dementicare ( esquecer ), que tinha passado a ser usado para substituir o termo literário oblivisci: dementicastis: oblivioni tradidistis. Aquilo que se esqueceu não foi simplesmente anulado, posto de parte: foi consignado ao esquecimento. O esquema desta informulável tradição foi exposto, na sua forma mais pura, por Hölderlin quando, nas notas à tradução do Édipo de Sófocles, escreve que o deus e o homem, " para que não desapareça a memória dos olímpicos, comunicam na forma, esquecida de tudo, da infidelidade".
A fidelidade àquilo que não pode ser tematizado, mas também não simplesmente silenciado, é uma traição de natureza sagrada na qual a memória, girando subitamente como um redomoinho, descobre a frente de neve do esquecimento. Este gesto, este abraço invertido da memória e do esquecimento, que conserva intacta, no seu centro, a identidade do que é imemorial e inesquecível, é a vocação.

-Giorgio Agamben, A Ideia da prosa, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Cotovia, 1999.

Lá fora - 70 : Turner no Grand Palais

Regressamos a Paris com um pintor inglês: William Turner ( 1775-1851 ), o maior paisagista das Ilhas Britânicas do séc.XIX. Abre hoje ao público no Grand Palais a exposição Turner et ses peintres que através de quase uma centena de obras ( telas, aguarelas e gravuras ) mostra o talento de Turner mas também as influências recebidas de grandes mestres-Rembrandt, Poussin e Claude Le Lorrain- cujas obras Turner viu no Louvre.
As obras são provenientes de colecções britânicas e norte-americanas, bem como dos acervos do Louvre, da Tate Britain e do Museu do Prado.
Esta exposição iniciou o seu percurso em Londres, na Tate, e depois de Paris viajará até Madrid passando o Verão no Prado...

- Turner et ses peintres , Galeries Nationales du Grand Palais, 24 Fev-24 Maio.

PENSAMENTO DO DIA


Un homme est fait de choix et de circonstances. Personne n' a de pouvoir sur les circonstances, mais chacun en a sur ses choix.
- Eric-Emmanuel Schmitt
Sobre as circunstâncias não temos efectivamente poder, mas será que temos assim tanto domínio sobre as escolhas? Há escolhas muito condicionadas...

Bom dia!

A 24 de Fevereiro de 1973 é Roberta Flack quem domina os tops de vendas com esta Killing me softly with his song.

Leituras no Metro - 5


«Indépendamment de la peau, du vêtement et de certaines traditions, un facteur humain se retrouve partout sur le globe: une parcelle d’humanité qui nous permet de sentir que tous les hommes sont frères.»
Maurice Béjart – L’esprit danse / entretiens avec René Zahnd. Lausanne: La Bibliothèque des Arts, 2001, p. 33-34

Peixes - 2


Pormenor de azulejo de Bela Silva
Lisboa, Estação de Metropolitano de Alvalade

Edmund Spenser

Henry Bone (1755–1834), Retrato de Edmund Spenser
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Na minha viagem a Londres encontrei este poeta
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In The First Book of Faerie Queene, (retirado da Google Books)
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Füssli, Johann Heinrich, Prince Arthur and the Fairy Queen, c. 1788
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Oil on canvas, 102,5 x 109 cm, Kunstmuseum, Switzerland.


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Amoretti LXXIX: Men Call you Fair

Men call you fair, and you do credit it,
For that your self ye daily such do see:
But the true fair, that is the gentle wit,
And vertuous mind, is much more prais'd of me.
For all the rest, how ever fair it be,
Shall turn to naught and lose that glorious hue:
But only that is permanent and free
From frail corruption, that doth flesh ensue.
That is true beauty: that doth argue you
To be divine, and born of heavenly seed:
Deriv'd from that fair Spirit, from whom all true
And perfect beauty did at first proceed.
He only fair, and what he fair hath made,
All other fair, like flowers untimely fade.

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Edmund Spenser
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Composition Date: 1592-1594?. Publication Date: 1595.
Ed. (text): N. J. Endicott; (e-text): I. Lancashire.

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[Together with the editors, the Department of English (University of Toronto),and the University of Toronto Press, the following individuals share copyright for the work that went into this edition:Screen Design (Electronic Edition):Sian Meikle (University of Toronto Library)Scanning:Sharine Leung (New College Computing Facility)] http://www.enaware.com/bardsworld/fair.html

Quando se sai da tela e se torna real...

Conheci Dino Valls recentemente e, apesar de algumas telas suas serem difíceis de ver e ler, gostei. Na viagem virtual que fiz em redor deste pintor apreciei mais as telas em que retrata as personagens à maneira dos pintores italianos e flamengos dos séculos XVI e XVII. Ele estudou a ténica tempera de ovo utilizada pela escola italiana e flamenga.
Os nús dele são um pouco difíceis de ver porque há uma certa perversidade na forma como os apresenta e como mostra a realidade nua e crua que lhe advém, possivelmente, do curso que tirou.
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Dino Valls nasceu em 1959, em Zaragoza. Licenciou-se em Medicina e Cirúrgia. Expôs pela primeira vez em 1981, em Zaragoza.
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Dino Valls, Incubo, detalhe sd
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Incubo

Óleo sobre madeira, 47 x 22 cm
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Detalhe. O que guardará neste relicário?
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http://www.portalsgallery.com/Artists/valls/valls.htm

Calendário Gregoriano.

Gregório XIII promulgou o calendário Gregoriano, a 24 de Fevereiro, de 1582, através da bula Inter Gravissimas
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http://digilander.libero.it/ultimus2001/calendario.jpg
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Lei de D. Filipe I, de 1582, onde se adopta o Calendário Gregoriano.

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"O Calendário Gregoriano, assim chamado por ter surgido da reforma implementada pelo Papa Gregório XIII, nasce da necessidade de fazer regressar o equinócio da primavera a 21 de Março e desfazer o erro de 10 dias que então ocorria por consequência da metodologia aplicada na contagem do tempo do calendário juliano. Este causava discrepâncias na marcação da data da Páscoa. Depois de ouvidas várias instituições científicas, criou-se uma comissão formada pelos melhores astrónomos e matemáticos da época, encarregue de estudar este problema. Surge, consequentemente, o projecto apresentado pelo astrónomo Luís Lílio em 1577. Ouvidos numerosos príncipes, bispos e universidades estabelecem-se então os princípios essenciais do novo calendário. Gregório XIII publica a Bula Inter Gravíssimas em 24 de Fevereiro de 1582, estabelecendo que o dia imediato à quinta -feira, 4 de Outubro, fosse designado por sexta - feira, 15 de Outubro.
A forma como os países aderiram a esta reforma foi diversa e lenta.
Actualmente o calendário gregoriano pode ser considerado de uso universal. Os povos que por motivos religiosos, culturais ou outros continuam a usar calendários tradicionais, utilizam o calendário gregoriano nas suas relações internacionais. Torre do Tombo, Colecção de Leis, mç. 3, doc. nº 36
".
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