Prosimetron

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terça-feira, 23 de abril de 2024

«Entrei na sede da PIDE»...


«Entrei na sede da PIDE, horas depois só por dentro continuava a ser gente. Por fora, fiquei reduzido a uma cara fotografada de todos os ângulos lombrosianos, a umas mãos esborratadas que deixavam impressões identificadoras numa ficha, a um nome sem senhoria e sem título, a um monte de ossos que o arbítrio alheio fazia mover. 
«- Volta a cara... Espalma agora aqui a pata... Levanta-te...
«Conhecia já de nome, até bem demais, a casa, que uma legenda negra celebrava. Contavam-se por toda a parte horrores dos suplícios a que eram submetidas nos cubículos do sótão - os famigerados "moinhos" - as vítimas renitentes à confissão. Dias e noites a fio, de pé, sem dormir, ou, mal fechavam os olhos, acordadas a cachação pelos "macaquinhos", os guardas que a rendição frequente mantinha sempre em forma. Havia casos de alucinação por esgotamento [...].»
Miguel Torga - A criação do mundo. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001, p. 398

Nas páginas seguintes deste livro, Torga conta a sua experiência na prisão.

2 comentários:

Maria disse...

Esse livro é um monumento. O meu é da D.Quixote.
Bom dia!🌞

MR disse...

Li-o, pela primeira vez, numa ed. do autor que eram as ed. do Miguel Torga, como umas capas brancas só com letras.
Há uns meses reli-o e guardei este excerto para hoje.
Bom dia!