Sebastian Haffner - Churchill / trad. Luís Jesus. Lisboa: Expresso, 2011
«A notável resistência, dignidade e autoconfiança com que a
Inglaterra começou por se defender em 1940 foi uma consequência inequívoca das
suas próprias limitações: as centenas de pescadores, pequenos armadores e
proprietários de barcos de recreio ingleses que, no fim de Maio, quando tudo
começava a falhar em França, atravessaram o canal nas suas cascas de noz por iniciativa
e risco próprios para ir buscar a Dunquerque o exército encurralado sob uma
chuva de bombas não só evidenciaram o seu heroísmo como também o seu instinto
insular. Por volta desta altura, o rei Jorge VI (um inglês muito mais típico do
que Churchill) escrevia numa carta pessoal: “Pessoalmente, sinto-me muito
melhor agora que já não temos de quaisquer aliados a quem sejamos obrigados a agradar
e a proteger.” E, pouco tempo depois, um diplomata inglês afirmava que tinha
acabado para a Inglaterra o tempo das garantias europeias e que era necessário
os ingleses pensarem por si próprios. Estas palavras foram ditas no âmbito de
um dos cautelosos contactos ocasionais e secretos que tinham lugar na altura
com intermediários neutros e, em alguns casos, também já com os alemães. Quando
Churchill teve conhecimento do que fora dito, interveio com a sua força de
leão.
«É provável que o diplomata estivesse mais em sintonia com o
estado de ama da maioria dos ingleses do que Churchill quando afirmou, após a
Batalha de Dunquerque, que haveria de continuar a lutar mesmo após a perda “desta
ilha” ou quando declarava, duas semanas mais tarde e após a capitulação da
França: “As nossas exigências são justas e não retiramos nenhuma. Não retiramos
uma vírgula e também nenhum ponto dos is. Os checos, polacos, noruegueses,
holandeses e belgas uniram-se à nossa causa e temos de os ajudar a reerguer-se.”
A tirania nazi, por outro lado, teria de ser “para sempre erradicada”. O que Churchill
estava a exigir em 1940, enquanto a Inglaterra ainda lutava pela sua simples
existência, era a capitulação incondicional de Hitler. […]
«Quais eram os fundamentos da sua convicção? De onde provinha esse férreo e obstinado desejo de destruição que transformaria o Churchill de 1940 numa figura lendária, quase um demónio guerreiro pré-histórico que levanta o globo terrestre nas suas próprias mãos?
«As incríveis e provocadoras torrentes de insultos que
proferiu na época contra o vitorioso Hitler, queimando todas as pontes e
criando um fosso inultrapassável (“este homem da pior espécie, esta incarnação
do ódio, este foco de cancro da alma, esta aberração feita de inveja e desonra;
é empunhando a espada da justiça que iremos nos eu encalço”) levam a crer que,
durante breves instantes, ressurgiu em Churchill o radicalismo da sua juventude.
Afinal, este discurso trazia ao de cima o que ia na alma da Esquerda europeia e
inglesa, a tal Esquerda que Hitler odiava como a verdadeira encarnação do Diabo.
Churchill […] tornou-se, neste período, um herói – para os ingleses e para o
mundo inteiro.
«Mas não se podem tirar conclusões precipitadas e afirmar
que ele se passara para o outro lado, que se tornara um radical, um
progressista, um esquerdista. Não é esse, de todo, o Churchill da Segunda
Guerra Mundial., e o próprio provou-o claramente com o decorrer da guerra. É
certo que ele necessitou, nessa época, do apoio da Esquerda, uma vez que apenas
esta ala partilhava do mesmo desejo de vencer e destruir o regime nazi; um
desejo que os conservadores (que ainda há pouco tinham elogiado e, por inação,
fortalecido Hitler) não partilhavam seguramente, uma vez que continuavam a não
perceber ao certo o motivo pelo qual a
tentativa de acordo com Hitler tinha fracassado.
«De modo que Churchill fez o corte à Esquerda […]. Um
exemplo é o que aconteceu no caso do grande dirigente sindicalista Ernest
Bevin: este liderara 14 anos antes a greve geral, e nessa ocasião, Churchill
teria gostado de desencadear uma autêntica guerra civil com os sindicatos.
Agora, porém, Churchill foi buscar Bevin para o seu governo e fez dele uma
espécie de ditador do trabalho. Churchill recorreu a todos os instrumentos ao seu
alcance para conquistar a Esquerda […].» (p. 109-111)
Ernest Bevin (1881-1951)