Um querido amigo e leitor deste blogue visitou recentemente Lyon, uma das maiores cidades francesas. Aqui ficam as suas muito pessoais impressões da cidade, com o meu obrigado.
Lyon adormece cedo e o atraso no voo mostrou-a, feita, ainda distante, num interminável serpentear de luzes térreas e alguns reflexos eléctricos nas águas escuras do Sâone e do Rhône. Chego à cidade, após percurso demorado, num autocarro de corredor estreito e lugares apertados por onde se perdem de vista os forasteiros. Lyon é maior do que Lisboa, com mais de um milhão de habitantes, preenchida por dédalos de ruas longas e numerosos prédios de arquitectura tardia que se esticam até à linha do horizonte. Invade-me uma impressão de cidade nova marcada por uma história de acontecimentos contemporâneos. Os transportes revelam boa organização e a linha B do metropolitano rapidamente me levou ao destino, na universitária avenida Jean Jaurès. Le Vieux Lyon só se encontra muito depois, no outro lado da cidade, reservado só para os que, conquistando-os, usufruem do melhor do mundo lionês. E Lyon é verdadeiramente um encontro de gentes de toda a parte e sobretudo do Sul, dos países médio-orientais, espalhando-se em formigueiro por toda a parte. O centro histórico apresenta-se na solenidade de uma praça imensa, coração da quase-ilha, previdentemente chamada de Bellecourt, da qual partem ruas antigas para todos os cantos da terra. Na Victor Hugo, mais selecta, multiplicam-se os estabelecimentos de um comércio elegante e caro em que se apinham quase naturalmente os viandantes. Do outro lado, a rua Auguste Comte, menos larga e outrora conhecida por rua das Sedas, que Lyon cedo se ligou ao grande comércio dos luxos orientais. Os comerciantes apossaram-se deste espaço citadino preenchendo-o de montras impecáveis em que se espreita a antiguidade da civilização com particular destaque para as memórias do primeiro terço do século XX. Retornei à grande praça e avancei sobre a Ponte Bonaparte. Outrora os lioneses barraram-lhe a entrada e forçaram-no a combate. Conservadores como nenhuns outros, estes lioneses cosmopolitas, mantendo sinais vastos de antigas hierarquias financeiras e fidalgas. Festejam a cidade no dia 8 de Dezembro, à antiga, com grande procissão em honra da Imaculada Conceição, brilhando por todas as artérias centenas de grinaldas faiscantes, as ruas atapetadas de vermelhos e os lojistas convidando gentilmente os veraneantes à tomada de um flute de espumante. Coisa fina, decerto, que já não provei. Anoitece, de facto, cedo em Lyon. O largo fronteiro à catedral mostra-se quase vazio, os raros turistas refugiam-se ledos no interior da nave românica, ampla, convidando o espírito a perder-se no extenso espaço, a aninhar-se nos clarões de luz de onde nos espreitam anjos e estranhos santos. No transepto, no regaço de um grande órgão de tubos prateados, descobre-se um alto relógio antigo, de 1383, resistindo à história e às reparações dos séculos, onde outrora um engenho medievo mostrava o sol ptolomaico girando em torno da terra, permitindo testemunhar, três a quatro vezes ao dia, os sons do passado desta velha Lyon, imóvel que nem uma rainha no seu trono, olhando, pelo sopé da grande penha vizinha, o burgo medieval que nos desperta memórias perdidas e o desejo solitário de uma bebida quente.
2 comentários:
Adorei Lyon, onde só estive um dia.
M.
Eu também gostei de Lyon, onde estive há pouco tempo. Cidade linda, cheia de gatos.
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