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Transcrevo, então, partes do livrito de Da Cunha Dias, Bom Vinho & Bom Tom, Lisboa, Delta, 1937.
Portugal, que é um dos cinco maiores produtores de vinho do mundo, consome pouco vinho.
Ao contrário do que era de presumir, porque em Portugal o vinho é bom e é barato, o português bebe pouco vinho.
A França, que produz cerca de um terço da produção total da Europa, é o país que, proporcionalmente aos seus habitantes, mais vinho consome. O francês é bom bebedor de vinho.
Durante um ano o francês bebe quase 146 litros de vinho, o italiano 197, o espanhol 80, o argentino 75, e o português, metropolitano, só 70 litros de vinho. [...]
Duas causas influem neste estranho fenómeno de se beber muito pouco num país, onde o vinho é muito bom e mais barato do que devia ser:
A mulher portuguesa bebe pouco vinho, mercê de um errado prejuízo de educação; o português, fora das principais refeições, bebe cerveja, porque supõe não ser elegante beber vinho.
Só o povo dos nossos campos se mantém fiel às suas tradições, dando sempre preferência ao vinho - "alimento saboroso, higiénico, nutritivo, estimulante", como, numa síntese feliz, o caracteriza o dr. Samuel Maia.
O inglês, o alemão, os homens dos países do Norte, consomem cerveja, porque a sua bolsa não alcança o vinho, que ou não produzem, ou é caro. Uma garrafa de vulgar vinho do Reno, custa mais, a um alemão, do que uma garrafa de corrente vinho do Porto, a um português.
Em França, onde se fabrica também cerveja e cidra, são estas as bebidas dos deserdados da fortuna, cuja bolsa não pode alcançar os «borgonhas» e os «bordeus».
Mas o português, como não sabe que nas mesas dos príncipes da vida, de um extremo ao outro do mundo, disputam a primazia os bons vinhos e não tem acesso a cerveja, não bebe vinho, dá preferência à cerveja, vicia o seu paladar para ser elegante, e tem bom vinho, e impingem-lhe por aí uma péssima cerveja.
Pesa, em Portugal, no escasso consumo de vinho, a bolsa do afortunado, que com um mau exemplo contaminou os operários das cidades, que por imitação também já bebem cerveja cara, quando o vinho é barato.
[...]
[em média] o português nem chega a beber, por dia, dois decilitros, um copinho.
Além do estulto pretensiosismo dos que viciaram o seu paladar, uma série de prejuízos envolve ainda, em Portugal, a reputação do vinho.
Não se dá vinho às crianças, por supor que lhes é nocivo, e, actualmente, sábios pediatras, aconselham que se comece ministrando vinho na alimentação infantil, entre os 4 e os 6 anos; pelas mesmas razões imaginárias não se habituam as mulheres e os fracos e os doentes a beber vinho, que por esse mundo está sendo largamente empregado no tratamento de doenças do coração, dos intestinos, do fígado, dos pulmões, dos rins...
Mas, em Portugal, impera o conceito de que beber vinho não é saudável, e não é distinto, porque não bebem vinho os marinheiros ingleses, que nos visitam. Elegante, em Portugal, é beber cerveja.
Dos vinhos, um, porque é estrangeiro, empresta uma nota de distinção a quem o bebe - o «champagne», mesmo que seja um «espumoso» da Bairrada.
Dos vinhos nacionais, só é elegante beber «porto» velho, que pode ser novo, contanto que a garrafa tenha muito lixo.
Para o Alberto e para a Helga, amigos [meus e de uma boa pinga]!
falta ainda um post, para acabar a trilogia (dedicada ao vinho e aos amigos).
2 comentários:
Será que tratavam uma cirrose com um copinho de vinho?
Pela amostra, o livrinho parece ser interessantíssimo, embora Cunha Dias tenha esquecido (ou não sabia de...)as "sopas de Vinho" ou "sopas de cavalo cansado", tonificantes e minhotas. Algumas coisas se modificaram entretanto, e muito mais desde que o Senhor Rei D. Duarte adelgaçava o néctar com água...Creio que para melhor, em suma, quer na excepcional qualidade de alguns vinhos portugueses, quer na aptidão de algumas Senhoras, de bom gosto, para apreciarem uma das nossas boas e maiores riquezas do "terroir".
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