Fernanda não conseguia parar. Era mais forte do que ela e de nada tinham servido as lágrimas da mãe, as gritarias da irmã ou mesmo as conversas semanais com o Dr.Barbosa.
Até o fim do namoro com Rui, depois de este aguentar durante seis meses uma concorrência impossível, não tinha produzido qualquer efeito.
Tal como vinha fazendo nos últimos anos, Fernanda começava e acabava o dia correspondendo-se com o seu querido Brad. Todos lhe diziam que não era a estrela quem lhe respondia mas sim um qualquer funcionário do respectivo manager, mas Fernanda recusava-se a acreditar - " E a assinatura na fotografia que ele me mandou também não é dele? ". Fotografia autografada pela conhecida estrela de cinema que Fernanda tinha mandado emoldurar e que beijava diariamente pelo menos duas vezes- ao acordar e ao deitar.
Além do correio electrónico diário, Fernanda enviava de quando em vez umas "encomendas" ao conhecido actor de Hollywood: entre queijadas de Sintra e pastéis de Tentúgal, seguiam também cd's de Amália e uns versos do Fernando Pessoa em inglês. Também os risos mal disfarçados das meninas dos Correios não incomodavam Fernanda - "Umas invejosas" era como as retratava perante Carolina, a sua colega no emprego, melhor amiga e também fã do querido Brad, embora Carolina limitasse a sua adoração por Brad a ter o quarto onde dormia forrado de posteres do dito e a enviar-lhe ocasionalmente uns mails.
Era no emprego, um call-center de uma conhecida marca de telemóveis, que Fernanda mais sentia a "inveja" dos comuns mortais. Raro o dia em que não lhe dissessem perante um cliente mais demorado a explicitar a reclamação- " É o Brad ao telefone? Cuidado com a Angelina", o que provocava uma gargalhada geral aos demais operadores e até um sorriso discreto ao supervisor.
Os serões de Fernanda eram relativamente iguais uns aos outros: assistir no seu televisor gigante que ainda estava a pagar à filmografia de Brad Pitt, à excepção do filme Seven que via só de vez em quando porque lhe perturbava o sono.Tinha todos os dvd, incluindo as versões especiais e de aniversário, sobretudo por causa de alguns extras: as preciosas entrevistas concedidas pelo actor sobre o filme em causa. Domingo era também dia de Brad, pois que era o dia reservado por Fernanda para pôr em ordem a colecção: uma meia dúzia de pesados dossiês cheios de fotografias e artigos de revistas e jornais sobre o actor. Tudo muito bem recortado e catalogado, sendo que as peças que iam amarelecendo com o tempo eram substituídas por fotocópias.
Foi precisamente com um artigo de jornal que a rotina de Fernanda se alterou: o seu amado ídolo viria a Portugal para integrar o júri de um festival, o Estoril Film Festival em Novembro, e traria a família para conhecer o país. Com cerca de um mês para se preparar, Fernanda sabia que tinha de agir depressa. Para surpresa de todos, aderiu a um ginásio cumprindo penosamente três vezes por semana as rotinas dos instrutores, iniciou uma dieta e surpreendou o Jójó do "Salão Ideal" ao pedir-lhe um penteado novo com extensões e madeixas.
O seu inglês não era perfeito, especialmente em conversação, mas era tudo uma questão de tempo e Brad compreenderia.
Um sábado de manhã, aproveitando uma ida à Baixa, Fernanda comprou óleo numa espingardaria do Rossio junto à estação com o mesmo nome e essa tarde foi passada a olear cuidadosamente a velha pistola que o pai tinha trazido da tropa e de que ela se tinha apropriado durante uma visita a casa da mãe.
Tudo tinha de estar pronto para o dia 5 de Novembro: Fernanda já sabia qual era o hotel, os horários e o itinerário do casal Brangelina.
Fernanda também sabia que de início não seria fácil para Brad e para as crianças, embora ele já soubesse que ela adorava crianças conforme constava de vários mails, mas sobretudo Fernanda acreditava no preceito tantas vezes enunciado pela sua mãe: "O tempo resolve tudo."
Era inevitável, Angelina tinha mesmo de morrer.
10 comentários:
Estas crónicas prometem.
M.
Desconhecia esta tua propensão para o humor negro!
MFB
Melhor é impossível
Ouch.
Gosto do Brad Pitt, mas não chegaria a tanto.
E o pior que há mesmo gente tresloucada que persegue e ameaça os actores ou cantores preferidos. Espero que esta "Fernanda" seja só personagem...
Sim, esperemos que não haja por aí nenhuma "Fernanda" aos tiros... Senão, avisem.
M.
"Angelina tinha mesmo de morrer"...
Não conhecia a sua fértil imaginação!
Bradmania...
Ana
Luís,o ficcionista, vai de vento em popa. Força! Escusava era de ter estado tanto tempo calado.
Sou um adepto da sabedoria do Eclesiastes :)
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