Prosimetron

Prosimetron

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sempre e sempre o Medievo

" (...) Era o canto onde se erguia, insólita e inútil, a azenha que dera o nome à casa e o prestígio ao lugar. Descia-se por três degraus para um patamar onde corria o fio de água que era vestígio nostálgico do ribeiro que por ali passara, em tempos. Podia ser um lugar de medos e espantos, mas guardo-o como um território mágico, o espaço de representação de uma tragicomédia infantil de que ainda não consegui acordar: a da História medieval. Qual História? Ora, a História de histórias, a dos romances de cavalaria e das cantigas de tovadores, das coifas veladas das damas da corte e das couraças futuristas dos guerreiros. Essa foi, para mim, a revelação da História.
Sentado num degrau húmido e coberto de musgo, mesmo ao pé da azenha que há muito deixou de rodar, pouco a pouco, como no meio de uma neblina de Verão, vejo regressar Joana d' Arc e, a partir dela, tudo o que evoca esses tempos de sonho e aventura, as catedrais góticas com o seu calafrio de sombras em banda desenhada, o Príncipe Valente e o seu traje comprido de saia e espada, os da Távola Redonda em corcéis brancos, o perfil esplêndido de Jean Marais num filme de Marcel Carné, o sorriso irrepresentável de Leonor de Aquitânia no seu encontro fulminante com Bernard de Clairvaux. E o corcunda de Notre-Dame, a entrada do Delfim em Reims, o monge de Cister; Egas Moniz de baraço ao pescoço e a padeira de Aljubarrota; Abelardo e Heloísa, Rolando em Roncesvales, a coroa de Carlos Magno. (...) "

- António Mega Ferreira, A História in O QUE HÁ-DE VOLTAR A PASSAR, Assírio&Alvim, 2003.

Para o Saul António Gomes, sempre gentil, sempre generoso.

1 comentário:

ana disse...

Gostei imenso deste trecho.
Ana