Ideia da morte
O anjo da morte, que em certas lendas se chama Samael, e do qual se conta que o próprio Moisés teve de o afrontar, é a linguagem. O anjo anuncia-nos a morte - e que outra coisa faz a linguagem? - mas é precisamente este anúncio que torna a morte tão difícil para nós. Desde tempos imemoriais, desde que tem história, a humanidade luta com o anjo para lhe arrancar o segredo que ele se limita a anunciar. Mas das suas mãos pueris apenas se pode arrancar aquele anúncio que, assim como assim, ele nos viera fazer. O anjo não tem culpa disso, e só quem compreende a inocência da linguagem entende também o verdadeiro sentido desse anúncio e pode, eventualmente, aprender a morrer.
- Giorgio Agamben, A Ideia da prosa, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Cotovia, 1999.
5 comentários:
É demais para a minha camioneta.
Tenho que ler isto com bastante atenção, não vai à primeira, nem à segunda...
Belo trecho.
Tudo o que somos devemos à linguagem, nasce-se e morre-se lentamente... o dia-a-dia renova a linguagem mas, há uma altura em que ela se silencia - morre.
Gostei de pensar nisto. Conheci o Amgben através de si,aqui no blogue, comprei este livro e tem sido delicioso acompanhar estes excertos escolhidos.
A preparação para a morte é a única tarefa verdadeiramente inadiável mas é aquela que terminantemente recusamos fazer.
Sobre "linguagem", definitivamente, Steiner.
Sobre a morte é natural, porque ainda não se conseguiu arranjar um GPS capaz...
APS: "preparar a morte", tema que vem dos Antigos Gregos, não é "procurar a morte". Preparar a morte não é confundível com morbidez ou autodestruição.
E GPS jamais será preciso- Ela encontra-nos onde e quando quer. O que é desejável é que estejamos prontos para com ela lidarmos como se a esperassemos nesse preciso e derradeiro instante.
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