Prosimetron
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Pastrana e Beja
Visitei por duas vezes a muito recomendável exposição das Tapeçarias de Pastrana, peregrinação obrigatória, até 12 de Setembro, quanto mais não seja por obviar à necessidade de uma deslocação até este pueblo manchego.
Além das peças principais e do "residente de honra", o conjunto dos Painéis, está exposto um pequeno (mas significativo) conjunto de objectos, supostamente unificados em torno de D. Afonso V.
Se a cadeira do Varatojo tem tradição veneranda nesse sentido, sendo igualmente pacífico o retrato que se encontra hoje em Estugarda (na que já vi designada em publicação por Biblioteca de Landes...), o mesmo já não sucede com a maior surpresa que tive (a presença em Portugal do Grande Armorial Equestre do Tosão de Ouro) e, mais certamente, com o fecho de uma abóbada, do espólio do Museu de Évora.
Esta última peça provém das colecções de D. Frei Manuel do Cenáculo e considera-se no belo catálogo (onde até a capa é deliciosa) ter pertencido a igreja pacense, primeira diocese deste mecenas da cultura alentejana e nacional, isto por via do material de que é feita e das circunstâncias do seu achamento.
Considerando-se basilarmente como uma cabeça régia, por via do falso silogismo que concluir que "o que tem coroa é rei", o Catálogo, neste particular pela pena do Dr. Joaquim Caetano, Director do Museu de Évora (que estou com muitas ganas de revisitar), opina tratar-se de D. Afonso V, isto a partir da presença do rodízio, conhecidíssima empresa (emblema individual) do Rei Africano, aliás bem patente também e profusamente nas Tapeçarias (mas também no Varatojo, na Batalha, etc.). A presença da espada, como que apontada ou atravessando a boca do "rei", depois de breve alusão a moeda deste monarca denominada espadim (mas com iconografia inteiramente distinta, não se percebendo qual pudesse ser a relação), é explicada através de uma curiosa (mas demasiado elaborada) hipótese.
Assim, conclui-se aventando que o artífice autor desse fecho de abóbada, eventual apoiante do Infante D. Pedro na crise que culminou em Alfarrobeira, teria encontrado maneira de, assim, "danar" a memória do rei, a quem culparia pela morte do tio.
Como em tudo na vida, parece-me que a velha lâmina de Ockham presta-nos grandes serviços. A explicação em causa, curiosa e interessante que é, não deixa de ser desnecessariamente complicada, centrando-se aliás no que creio ser um falso pressuposto, ou seja, de quem usa coroa é rei.
Em primeiro lugar, não me parece muito razoável supor uma actividade subversiva do género em obra de cariz público e por encomenda. Sendo certo que o Rei Africano não tinha o carácter violento do filho, não sei se esta vilipendiação pública da imagem régia seria assim tão bem aceite, pela comunidade frequentadora da incógnita igreja, e, especialmente, pelo dono de obra, que pagaria (ou não) o (mau) serviço prestado.
Por outro lado, nesta explicação detecto um eco das explicações simplistas da referida crise, burguesia e operariado do lado do Infante. Ora, se bem me recordo (mas não fui confirmar), se há registo do perdão posterior de muitos obreiros por lutarem ao lado de D. Pedro (e, mais uma vez, salvo erro, o nosso amigo Saúl atribui a esta participação uma quebra posterior na vitalidade da Batalha, de que é justíssimo cidadão honorário), nas vésperas de Alfarrobeira houve uma tentativa de resistência à passagem pelo Mosteiro do ex-regente, organizada pelos mestres e obreiros, a qual se terá gorado pela opinião contrária dos frades dominicanos.
Se a espada seria visível quando colocada a peça a fechar a abóbada, mais visível ainda seria em terra, aquando da sua feitura. Não é, na verdade, um grafito anónimo, mas uma peça relevante, que se pretenderia ver paga (e, assim, reconhecida a autoria).
A explicação mais simples deve ser a verdadeira. E qual seja ela? Bom, pela minha parte proponho Santa Catarina de Alexandria, podendo a figura ser masculina como feminina (em qualquer caso, não sendo muito feliz). Representada muitas vezes com coroa, o rodízio pode ser perfeitamente a conhecida roda de navalhas e a espada é outro dos seus atributos, já que foi o seu instrumento final de martírio. Há uma escultura no MNAA que a representa precisamente assim, coroada, segurando uma espada e tendo ao lado a roda, em heráldica chamada de S. Catarina, precisamente.
Se assim for, cessam as objecções colocadas no Catálogo à datação, feita em catálogo de exposição anterior por Paulo Pereira, que a atribuía ao período manuelino, objecções essas que assentavam na identificação do rodízio de D. Afonso V (mas, em qualquer caso, esquecendo a possibilidade de representação póstuma: veja-se o caso da Sé de Viseu, em que se representa o rodízio como homenagem de D. Diogo Ortiz de Vilhegas, já entrado o século XVI, ao Rei Africano).
Em suma, quem não foi, vá e quem já foi, volte!
Desculpem este arrazoado, o armorial fica para amanhã! A "culpa" é de JAD, a quem registo a minha gratidão por ter querido saber a opinião deste curioso! Bom dia!
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8 comentários:
Ainda fiquei com mais vontade de visitar esta exposição.
Bom dia, JP, e obrigado pela magnífica descrição, amplamente informada e elucidativa, que fez.
Gostei muito.
Bastante interessante este seu post.
Agradeço a informação e o apetite para visitar a exposição.
Será que foi este o post 10 000 do Prosimetron? Se foi (e acho que sim), estão de parabéns o JP e o blogue pela qualidade do post.
Não seria de festejarmos?
Já tem sido falado um convívio de Verão. Vamos ver se há datas...
Pela minha parte, agradeço não só o post como a magnífica conversa telefónica.
Ainda não fui. Talvez este fim-de-semana...
Parabéns pelo post 10000. É obra!
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