Ideia do silêncio
Numa recolha de fábulas dos fins da Antiguidade lê-se este apólogo:
" Os Atenienses tinham por hábito chicotear a rigor todo o candidato a filósofo, e , se ele suportasse pacientemente a flagelação, poderia então ser considerado filósofo. Um dia, um dos que se tinham submetido a esta prova exclamou, depois de ter suportado os golpes em silêncio:
« Agora já sou digno de ser considerado filósofo! » Mas responderam-lhe, e com razão:« Tê-lo-ias sido, se tivesses ficado calado» . "
A fábula ensina-nos que a filosofia tem certamente a ver com a experiência do silêncio, mas que o assumir dessa experiência não constitui de modo nenhum a identidade da filosofia. Esta está exposta no silêncio, absolutamente sem identidade, suporta o sem-nome sem encontrar nisto um nome para si própria. O silêncio não é a sua palavra secreta- pelo contrário, a sua palavra cala perfeitamente o próprio silêncio.
- Giorgio Agamben, Ideia da Prosa, Trad.,pref. e notas de João Barrento, Cotovia, 1999.
4 comentários:
Adoro esta sua rubrica.
"A filosofia tem certamente a ver com a experiência do silêncio...".
Vou pensar nisto. Começo a gostar deste Agamben. Vou ter que o procurar nas livrarias.
Da fábula...Era um bocadinho dura a prova por que tinham que passar os filósofos atenienses!
A.R.
Parei um bocadinho para pensar. Agamben está a mexer comigo. Ainda não percebi bem qual é o jogo deste filósofo. Vou expor as minhas conclusões e dúvidas.
1.Se a filosofia é a experiência do silêncio, ela existe por si mesmo sem precisar de interacções. Será?
2. O "assumir dessa experiência (silêncio) não constitui de modo nenhum a identidade da filosofia" -o que quererá dizer com isto? Será que quem assumir esse silêncio não descobre necessariamente a identidade da Filosofia?
Este filósofo baralha-me.
3. Parece-me que há um jogo de palavras, um malabarismo da escrita. Qual é a linguagem da sua filosofia? A filosofia per si não ganha sustentabilidade, ela precisa do homem, do agente que descodifique, não através do silêncio mas através do diálogo que apresente questões para serem resolvidas.
4. Qual é o objectivo deste filósofo? Qual é a lógica de Agamben?
5."O silêncio não é a sua palavra secreta- pelo contrário, a sua palavra cala perfeitamente o próprio silêncio". Então em que é que ficamos no silêncio ou no diálogo, uso da palavra?
Este seu post anda a intrigar-me.
A.R.
Esse é precisamente o papel da Filosofia- mais do que dar respostas, é fazer perguntas.
O silêncio é essencial ao pensamento, embora a Filosofia não se identifique nem se esgote no silêncio. Até porque, como refere, a linguagem é o outro reverso...
Minha cara A.R., quanto à fábula ateniense, gostava de a ver aplicada aos candidatos a políticos profissionais...
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