Prosimetron

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Na véspera do acontecimento (IV)

- Ai! Malvado! Queres que eu morra, não é?

As horas passavam lentas, mas passavam. Veio o dia, vieram os boatos, mas o tiroteio não cessava; o canhão, então, enervava o Moisés... Já dez vezes pusera o chapéu e dissera:
- Eu vou, bem sabes que eu não tenho medo, mas aquele barulho mais seco, implica-me com os nervos... Sou capaz de me atrapalhar... E a Estrela é muito longe daqui... Achas que chame outra?
- Não... a Pulquéria é que eu quero.
- Eu vou, mas a responsabilidade é tua...

Desceu a escada; a porta da rua estava fechada; no patamar falavam dois outros sujeitos com o Lopes.
- Você não saia... não seja maluco... Os navios bombardeiam o palácio real; a rotunda, está cheia de gente; a Avenida, cheia de mortos, candeeiros furados, árvores no chão, está num estado interessante...
- Mas a minha mulher também está nesse estado e não posso evitar o inevitável...
- Porque é que não falou ao telefone como eu lhe disse; vá aqui a casa do doutor juiz, que com certeza dá licença.

Moisés achou a ideia salvadora e quando ia a subir com o doutor juiz, encontrou a Engrácia que descia, a sombrinha na mão, uma trouxa e uma caixa de folha debaixo dos braços lavada em lágrimas.
-Onde é que vais rapariga?
- Para a minha terra... Eu tenho medo... Quero ir ter
ca minha mãe... Má raios a lembrança que tive de vir prá cedade...
-Então deixaste a senhora sozinha?
- Ficou lá a senhora Júlia.
- Vai para casa, que te matam na rua... Não vês que eu sou um homem e também não saio...

Mas a rapariga agarrada à porta da rua, berrava:
- Daqui já não me
arricam. Quero ir pr’a minha mãe...
Passava um esquadrão da Guarda Municipal....

1 comentário:

MR disse...

Muito giro estes vendedores de fruta. E o polícia. Figuras típicas de outrora.