Prosimetron

Prosimetron

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Novidades - 161

" (...) hoje já não se vive sem a ligação à rede"- escreveu aqui ontem o nosso MLV. É realmente difícil viver hoje offline, especialmente se já se provou tal fruto. Passei os últimos dias desligado, por opção e conveniências da quadra, e senti realmente a falta da rede.
É a Internet o palco deste thriller que me foi oferecido por estes dias. Trata-se do mais recente romance da Joanne Harris, a autora de um grande sucesso de anos recentes (Chocolate), e mostra tudo o que podemos fazer aos outros através da Internet, mas também o que os outros nos podem fazer...
E começa assim:

Era uma vez uma viúva que tinha três filhos que se chamavam Preto, Castanho e Azul. Preto era o mais velho, mal-humorado e agressivo. Castanho era o do meio, tímido e desinteressante. Mas Azul era o preferido da mãe. E era um assassino.

Uma dúzia de páginas depois:

Internet. Uma palavra interessante. Como uma coisa surgida do abismo. Uma rede para algo que foi enterrado ou que ainda está para ser enterrado; um esconderijo para todas as coisas que preferimos manter secretas nas nossas vidas reais. E no entanto, gostamos de observar, não gostamos? Como num espelho, de maneira confusa, vemos o mundo girar: um mundo povoado de sombras e reflexos, nunca a mais de um clique de rato de distância. Um homem mata-se- ao vivo, em directo. É repugnante mas estranhamente fascinante. Interrogamo-nos se foi fingimento. Pode ser fingimento; tudo pode ser. Mas tudo parece muito mais real quando observado num ecrã de computador. Assim, mesmo as coisas que vemos todos os dias- talvez particularmente essas coisas-adquirem uma importância especial quando vislumbradas através do olho de uma câmara.
Aquela rapariga, por exemplo. A rapariga do anoraque vermelho-vivo que passa por minha casa quase todos os dias, fustigada pelo vento e alheia ao olho da câmara que a observa. Tem, como eu, os seus hábitos. Conhece o poder do desejo. Sabe que o mundo gira não movido pelo amor, nem mesmo o dinheiro, mas pela obsessão.
Obsessão? Claro. Todos somos obcecados. Obcecados com a televisão; com o tamanho das nossas pilas; com o dinheiro e a fama e as vidas amorosas dos outros. Este mundo virtual-e nada virtuoso- é um monte de estrume fedorento de lixo mental, confusão e violência; concessionários automóveis e venda de Viagra, música, jogos, má-língua, mentiras e insignificantes tragédias pessoais perdidas em trânsito a certa altura, à espera que alguém se importe, apenas uma vez, à espera que alguém se identifique...

Sem querer abusar da vossa paciência, não resisto, porém, a citar o último parágrafo da p. 22:

O poeta Rilke foi morto por uma rosa. Muito Sturm und Drang da parte dele. Um arranhão num espinho que infectou; uma dádiva envenenada que continua a dar. Pessoalmente, não vejo onde esteja a atracção. Sinto mais afinidades com a tribo das orquídeas: as subversivas do mundo das plantas, agarrando-se à vida onde podem, subtis e insidiosas. As rosas são um lugar-comum, com as suas espirais de um tom de rosa enjoativo, de pastilha elástica; a sua fragrância conspirativa; as suas folhas malsãs, os seus espinhozinhos manhosos que picam o coração...
Ó rosa, estás doente...
Mas não estamos todos?

É uma edição da Asa, com tradução de Isabel Alves.

4 comentários:

ana disse...

Luís,
Inquietante...
e as rosas que eu adoro? Também gosto de orquídeas mas as rosas...
ahhhh...
Obrigada por me fazer pensar. Por ver a nudez das possibilidades...:)

LUIS BARATA disse...

É um livro perturbante,mas a internet, fantástica invenção, é realmente fonte de muitos perigos.A usar com cuidado, como se costuma dizer.

MLV disse...

Fiquei curioso com esse livro. Não conhecia mas vou no rasto dele...

Miss Tolstoi disse...

Nunca li nada da Joanne Harris. Vi o Chocolate no cinema e gostei. Mas isso...