Citações : Da crise

(... ) Nos últimos dois séculos, o chamado crescimento económico implicou consumos e abuso de recursos com consequências por vezes nefastas. Mas significou também vidas mais longas e mais confortáveis. Hoje, não é possível a felicidade na pobreza. Em parte, porque trocámos o ideal da salvação da alma pela perspectiva de uma vida longa e sem dor, e esta depende de meios que só a riqueza e a ciência proporcionam. Talvez tenha havido um tempo em que terá sido possível ser feliz com muito pouco, no meio dos prados. Hoje, não. À primeira dor de dentes, estaríamos revoltados com a natureza.
A ideia de renunciarmos ao esforço e à ambição inspirados pelo êxito dos outros também não é mais promissora. No passado, cada um teve o estatuto da sua família ou da sua tribo, e era reconhecido enquanto tal. Não era necessário ser individualmente bem-sucedido. Hoje, não é assim. Somos reconhecidos pessoalmente pelo trabalho e por aquilo que fomos capazes, no nosso tempo de vida, de adquirir e de ser. Uma sociedade de gente conformada seria uma sociedade de insignificantes num sentido literal: gente que não sugere nada, que não tem significado.
Uma sociedade sem ambição, sem expectativas é, hoje, mais ou  menos inconcebível: não funcionaria. Não é, portanto, pela limitação do que precisamos, nem pela abdicação do que queremos, que podemos ultrapassar esta crise. É encontrando maneiras de satisfazer as nossas necessidades e as nossas aspirações de um modo efetivo e sustentado, sem ilusões nem desiquilíbrios. Como? Eis a questão.

- Rui Ramos, no Expresso do passado sábado.