Pilar del Rio, num artigo na Revista Visão, n.º 1086, de 26 de Dezembro de 2013, sobre o Papa Francisco, deixa uma pergunta: "poderá Francisco vencer a ortodoxia reacionária da hierarquia do Vaticano?" (p.3)
E escreve depois:
"Que pode fazer o Papa?
O Papa Francisco trouxe ar fresco à vida pública. As suas declarações abriram perspetivas mas, como dizia um porta-voz do Vaticano, deitando água em certas fervuras, «no fundo, se virem bem ele repete a doutrina tradicional da Igreja noutro tom e com outras palavras». O que pode fazer um Papa numa Instituição tão regulamentada? Pode porpor que as mulheres sejam consideradas, de facto e de direito, iguais aos homens ou vai prosseguir o discurso do elogio retórico e das referências marianas, numa tentativa inútil de justificar a exclusão histórica? Pode propor uma norma que acabe com a estultícia do celibato dos padres? Pode propor a mesma categoria salvífica para o amor heterossexual e homossexual? Isto só para colocar apenas três questões óbvias?" (p.61-62)
Esquece, contudo, Pilar del Rio que a Igreja e o Papa não têm (nem podem, ou devem, ter) uma ortodoxia contrária ... nem tão pouco será talvez correto dizer que o Vaticano tem uma ortodoxia reacionária! [Isto já implica um juízo de valor para quem está de fora, para quem não acredita] Teria, se o Vaticano fosse a Sociedade das Nações, se fosse a religião universal. Mas o Vaticano é a sede de uma das religiões que não obriga hoje, repito hoje 2013, ninguém ou quase ninguém a seguir a sua doutrina. Felizmente as Igrejas já se encontram separadas do Estado nas civilizações mais cultas e progressivas. E o Catolicismo nem sequer é a maior religião do Mundo... continuamos sempre a ter uma visão Europocentrista.
Temos é de lutar para que não haja um retrocesso, que o livro dos juramentos não seja (como em Espanha, por exemplo) um livro religioso. Que nenhuma religião seja obrigatória em nenhum estado. Depois deixemos que cada uma das religiões tenha os seus dogmas e os seus preceitos. Quando uma religião for uma Sociedade das Nações então quererá impor a sua verdade a todos. Uma religião, como sistema filosófico que rege quem nela acredita, tem de ter liberdade para ter os seus princípios e os seus preceitos. Só a aceita quem tiver fé.
Peço desculpa por entrar em comentários próprios à fé de cada um. Mas não posso impor o meu pensamento aos outros (nem o que eu penso sobre a sua forma de pensar) quando o fizer estou a permitir que os outros também pensem que eu sou reacionário por ter uma fé diferente da deles.
Para mim a pergunta seria: conseguirá o Papa como chefe da Igreja fazer com que todos compreendam o seu pensamento e o seu humanismo? Julgo que a humanidade ganharia mais se todos os que têm fé acreditassem (e aceitassem) nas palavras do seu chefe.
6 comentários:
Em acordo quase total com o nosso Jad. Roça por vezes quase o absurdo ler opiniões como a de Pilar del Rio, que julgo ser agnóstica ou ateia, sobre as regras INTERNAS do Catolicismo e sobre o funcionamento da Santa Sé. Terão de ser os crentes a pronunciarem-se sobre o que há a alterar, seja sobre a eleição papal ( fará sentido só os cardeais votarem? porque não também os Superiores e as Superioras das Ordens - Jesuítas, Franciscanos, Clarissas etc ? )seja sobre o celibato obrigatório ( porque não torná-lo facultativo a certos níveis como na Igreja Ortodoxa ? ) ou sobre a ordenação das mulheres. É evidente que somos todos livres, crentes e não crentes, de criticar questões de outra dimensão, como por exemplo o funcionamento do IOR ( Banco do Vaticano ) ou isenções fiscais porque aí não se trata de uma questão puramente interna ou de crença.
Outra questão que por vezes me irrita é ver " bem pensantes " como a Sra.D.Pilar terem sempre as facas aguçadas contra o Catolicismo, mas sobre o Islão nem uma palavra...
Folgo que tenha abandonado, por momentos, a sua neutralidade harmoniosa..:-)
É, realmente, estultícia pensar que as grandes instituições se podem alterar ou reformar significativamente. Os "aggiornamento" só podem pressagiar a sua desagregação ou divisão, o seu enfraquecimento acentuado, a menos que sejam sucedidos, de imediato, por "dois passos atrás" (Vaticano II/ Paulo VI). Ao contrário de: Gorbachov/ desagregação da U. R. S. S..
Dirão alguns: Sacrilégio!, misturar religião com política. Mas é evidente que o Vaticano também tem uma Política.
E, neste particular, gostaria de citar uma frase, para mim, sábia de Lopes Cardoso: "Um político que não se repete, não é coerente".
E, é neste plano temporal, que qualquer companheiro de estrada ("compagnon de route"), ou mero "outsider" terá legitimidade para avaliar ou criticar a Igreja. Ou não estivessemos em Democracia...e a Igreja fosse um Dogma para todos os homens ("Ne touchez pas à la femme blanche" - creio que é assim que se diz...).
Caro APS, permita-me comentar o seu comentário : é claro que a Santa Sé, como cabeça/cúpula da Igreja Católica, tem uma política. Penso que é essencialmente uma " política da sobrevivência ", querendo dizer com isto que, à semelhança de outras religiões, tem de se ir adaptando para melhor sobreviver. Sacrificando o que não é essencial ( a liturgia em latim e outros procedimentos anacrónicos ), para preservar o que entende ser o essencial. O critério desta escolha fundamental terá de ser, só assim faz sentido parece-me, teológico. Ou seja, deixar cair tudo o que não é teologicamente fundamental mantendo o seu núcleo essencial. Esquecer o fundamento teológico, abordando muitas vezes apenas um alegado fundamento biológico ( " o celibato é contra natura ", por exemplo )ou de evolução dos costumes não me parece ser a forma mais correcta de abordar certas questões internas do catolicismo.
Caro JAD. Não poderia estar mais de acordo com o teu post.
Antes de mais, gostaria de esclarecer que o meu primeiro comentário se dirigia a JAD e ao teor do seu poste. Dito isto, meu caro Luís Barata, devo sublinhar que não estou inteiramente em desacordo com o seu re-comentário.
Os homens, sejam eles Papas ou não, se tiverem forte personalidade (mesmo que discretos, como era o caso de Bento XVI) deixam sempre uma marca, nas instituições a que presidem. Feitios, perspectivas criam sempre pequenas diferenças de orientação, mas que nunca beliscam a base essencial. Ou, dito de outra forma, convém lembrar Lampedusa que disse, mais ou menos, isto: É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma.
Claro que o Papa faz política. Quase todos os papas fizeram e alguns uma política bem pouco católica.
O que é que este fez quando foi a Lampedusa? E acho que fez bem em ir.
Como também acho bem que vá a Jerusalém e a Belém no ano que vem.
E espero que promova um diálogo eficaz entre todas as religiões.
Quanto aos dogmas, há muito que penso isto: não me interessa; sou agnóstica, não tenho de os seguir.
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