Prosimetron

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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

E por vezes!...



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gosto da poesia de D.M.-F., mas vou deixar aqui um SONETO de Nuno Júdice «a D. M.-F.»:

Partiste de madrugada,
quando do cais do Tejo o calor subia.
Foi ter contigo a manhã enevoada,
num abraço de bruma breve e fria.

Talvez as nuvens te digam poemas
quando as atravessares, pela tarde.
Mas aí, no fundo do céu, não temas:
o sol mesmo quando morre ainda arde.

E se quiseres olhar para trás,
mulheres, flores, pedras, que tocaste
na viagem que só o tempo desfaz,

crescem até ti como a única haste
da flor construída na tua vida:
poesia, ternura de harpa emudecida.

17/6/96

(In: A David: homenagem a David Mourão-Ferreira. Porto: Limiar, 1997, . 62)

Anónimo disse...

RUA DE ROMA

Quero uma rua de Roma
com seus rubros com seus ocres
com essa igreja barroca
essa fonte esse quiosque
aquele pátio na sombra
ao longe a luz de um zimbório
mais o cimo dessa torre
que não tem raiz no solo
Em troca darei Moscovo
Oslo Tóquio Banguecoque
Fugaz e secreta à força
de se mostrar rumorosa
só essa rua de Roma
em cada nervo me toca
Por isso a quero assim toda
opulenta de tão pobre
com o voo desta pomba
o rimbobar desta moto
com este bar de mau gosto
em cuja esplanada tomo
este espresso após o almoço
à tarde um campari soda
Em troca darei Lisboa
Londres Rio Nova Iorque
toda a prata todo o ouro
que não tenho em nenhum cofre
só no cotão do meu bolso
e no que a pátria me explora
Quero essa rua de Roma
Aqui onde estou sufoco
Aqui as manhãs irrompem
de noites que nunca morrem
Quero esse musgo essa fonte
essas folhas que se movem
sob o sopro do siroco
ora tépido ora tórrido
frente à igreja barroca
tão apagada por fora
mas que do altar ao coro
por entro aparece enorme
Quero essa rua de Roma
casta rugosa remota
Em troca darei as lobas
que não aleitaram Rómulo
mas que me deixaram na boca
o travo do transitório
Quero essa rua de Roma
sem conhecer quem lá mora
além da madonna loura
misto de corça e de cobra
que ao longo de tantas noites
tanta insónia me provoca
Quanto às restantes pessoas
inventarei como sofrem
Quero essa rua de Roma
Terá de ser sem demora
Sabemos lá quando rondam
abutres à nossa roda
Mas não me lembro do nome
da rua que assim recordo
soberba se bem que tosca
direita se bem que torta
com um Sol que tanto a doura
como a seguir a devora
Em troca darei o troco
do que por nada se troca
o florescer de uma bomba
o deflagrar de uma rosa
Quero essa rua de Roma
Amanhã Ontem Agora
Que importa saber-lhe o nome
se a trago dentro dos olhos
Há uma igual em Verona
Outra ainda mais a norte
Outra talvez nem tão longe
num burgo que o mundo ignora
Outra que apenas se encontra
onde a paixão a descobre
Mas rua sempre de Roma
Romana em todo o seu porte
mistura de alma e de corpo
aquém além do ilusório
Romana mesmo que em Roma
não haja quem a recorde
Onde quer que o sexo a sonhe
e o coração a coloque
é lá que todo sou todo
Aqui não Aqui não posso

David Mourão-Ferreira
(In: Os ramos os remos. Porto: Areal, 1985, p. 25-28)

Para o Jad que adora Roma.
M.

Jad disse...

Obrigado! É verdade!