Prosimetron

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sábado, 13 de fevereiro de 2010

A.S.: Escolha Pessoal XVII

Fernando Assis Pacheco



Jornalista de mérito e acaso, quase fundador de “O Jornal”, entrevistador nato e arguto (ver entrevista a Salgueiro Maia em “Retratos Falados”- Ed. Asa), Fernando Assis Pacheco (1937-1995), como poeta, pertence à honrosa linhagem que, tendo origem nos colaboradores das “Cantigas de Escárnio e Maldizer”, passa por alguns poetas do “Cancioneiro Geral”, se prolonga no século XVIII por Tolentino e Bocage, e vem desaguar em Alexandre O’Neill. Uma das suas referências foi também Drummond de Andrade. Assis Pacheco é, talvez, menos “aristocrático” que O’Neill. Mas ambos são portadores de uma discreta ternura ou uma compassiva atenção às pequenas coisas do mundo ou aos “Enjeitados da Fortuna”, para lembrar José Daniel Rodrigues da Costa, outro dos parentes mais afastados, e com muito menos talento.
Fernando Assis Pacheco estreia-se, em 1963, com “Cuidar dos Vivos”, em plena maturidade de estilo e arte, glosa o Vietname – por defesa prudente contra a censura – em “Câu Kiên: um Resumo”(1972), para falar da sua experiência de guerra em Angola. O seu último livro de poesia “Respiração Assistida” sai já, postumamente, em 2003. Nestes seus últimos poemas, Eros e Thanatos entrelaçam-se e fundem-se virulentos e extremos, num estertor final pressentido que, por vezes, raia o fescenino e lembra a “dança da morte “ medieval, num frenético amor à vida que lhe foge.
A arte da indignação também sempre fez parte do seu credo:

Não Posso

Nasce
em torpes corações a Primavera.
Tempo, astros, alegria nunca escolhem
sobre quem derramar-se.
Para exemplo deste imponderável
Goering amava os animais
e vem a Lisboa David Oistrakh
tocar para estudantes e rameiras.
Quando colho uma flor, sei
que ela mudará as minhas noites.
Mas é também conhecido
que a certas horas os carcereiros
despem a farda
e vão às Mercês e à Rinchoa
comprar cestos à beira da estrada
com morangos ou cravos. Não posso
com tanta ironia.

Através de edições de autor, ou editoras menos consagradas, ou marginais, Assis Pacheco procurou afastar-se sempre das mundanidades literárias, dos holofotes da fama e das “vernissages do croquete” que o seu nome, por demais conhecido nos “media”, lhe teria disponibilizado, Truculento e imaginativo, era certeiro e natural nos versos, com a candura e rudeza das palavras sinceras e do seu grande amor à vida.


Desenho de Hans Hartung

Dá Lá a Mão

Herói das noites insones
Coração não me abandones
neste Outono derramado
não me godas coração
dá-me lá a tua mão
coração tu não me enroles
carcaça foi que está gasta
o check-up diz que basta
tem paciência coração
não me godas não me trames
que estou preso por arames
coração dá lá a mão

2 comentários:

LUIS BARATA disse...

Justíssima e sapiente evocação.

Anónimo disse...

Adoro o FAP.
M.