(...) Pode parecer ridículo mas adorava voltar a fazer cocó em Benfica. A banheira com patas de leão, o esquentador pré-histórico, os perfumes da minha mãe numa mesa, o cheiro da laca dela, a brilhantina do meu pai, o pente sempre gorduroso, a escova com que alisava o cabelo apertando-o nas têmporas. Era o único de nós que fazia a barba. Acho que também não visitou as Bermudas nem Marrocos nem Porto Rico. Saía para o hospital de manhã, voltava ao fim do dia e tudo cheirava a cachimbo. Achava esquisito que tratasse o meu avô por pai, pai era ele, o meu avô era avô. Esse fazia a barba também. O mundo inteiro fazia a barba menos eu. Sinto a falta da rapariga lá em baixo, à chuva, preocupo-me com o que lhe terá acontecido. Nem quero pensar que a água das valetas a levou, de mistura com as folhas caídas.
É o último parágrafo de mais uma bela crónica do António Lobo Antunes- Rapariga à chuva, na Visão desta semana.
3 comentários:
Magnífica!
Pois é! As crónicas são outra coisa.
Absolutamente!,MR.
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