Prosimetron

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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Leituras no Metro - 20


Manet - Retrato de Émilie Ambre, no papel de Carmen
Óleo sobre tela, 1860
Filadélfia, Philadelphia Museum of Art

A actriz Émilie Ambre (1854-1898), oriunda de uma família norte-africana, foi amante do rei Guilherme III, da Holanda.

«Disse que a maior parte das ciganas liam a sina. Lêem-na bem. Mas o que para elas representa uma fonte de receita é a venda de filtros amorosos, e de talismãs. Além das patas de sapos, para prender corações volúveis, ou pó de pedra magnética, para conquistar o amor dos insensíveis, fazem também esconjuros poderosos que obrigam o diabo a socorrê-las. O ano passado uma espanhola contou-me o caso seguinte: Um dia, ao passar pela rua de Alcalá, muito triste e preocupada, uma cigana acocorada no passeio gritou-lhe: "Minha linda senhora, o seu namorado enganou-a". Era verdade. - "Quer que eu faça com que ele volte para si?". Compreende-se com que alegria a proposta foi aceite e a confiança que foi depositada numa pessoa que assim adivinhava, num volver de olhos, os segredos íntimos de uma desconhecida. Como era impossível proceder às práticas mágicas ali no meio da rua mais frequentada ed Madrid, combinaram um encontro para o dia seguinte. "Não há nada mais fácil do que trazer o infiel aos seus pés", disse a cigana. "Tem, por ventura, um lenço, uma mantilha ou qualquer coisa que ele lhe tenha dado?". Deram-lhe uma mantilha de seda. "Agora cosa com seda vermelha uma piastra no canto da mantilha. No ouro canto, meia pisatra; aqui, uma moeda; ali, uma moeda de dois reais. Depois é preciso coser no centro uma moeda de ouro. Um dobrão seria melhor". Coseram o dobrão e o mais. "Agora dê-me a mantilha, vou levá-la ao cemitério à meia-noite. Venha comigo, se quer ver os diabos todos. Prometo-lhe que amanhã mesmo há-de voltar a ver aquele que ama". A cigana partiu sozinha para o cemitério, pois a pessoa que me contou isto tinha muito medo dos diabos. Escusado será dizer-lhes que a pobre amante abandonada nunca mais tornou a ver nem a mantilha nem o infiel.»
Prosper Mérimée - Carmen. Matosinhos: Quidnovi, 2010, p. 73-74

4 comentários:

LUIS BARATA disse...

O pior é que ainda hoje há cenas destas em muitos "consultórios" da nossa Lisboa: "traga uma peça de ouro que ele/ela use" etc etc

MR disse...

Imagino!

ana disse...

Despertou-me o interesse. :)

MR disse...

Gostei bastante do livro que nunca tinha lido.
E acho que continuaria sem o ler se ele não tivesse vindo com o DN.