Prosimetron

Prosimetron

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Versos caparicanos


Columbano - Retrato de Bulhão Pato, 1923

«Bom sucesso ninguém diz,
Fica melhor delivrança,
Que assim se fala na França,
E as modas vêm de Paris.»

Primeira quadra dos «Versos caparicanos», escritos em 1905, por Bulhão Pato (1928-1912), que morreu faz hoje 98 anos, no Monte da Caparica. Não velem nada, como poderão conferir nos Comentários. Só os escolhi porque há vários «caparicanos» de adopção, aqui no blogue.

3 comentários:

Miss Tolstoi disse...

"Que assim se fala na França, / E as modas vêm de Paris" são dois versos muito citados mas não imaginava que fossem de Bulhão Pato.

MR disse...

Estamos sempre a aprender, o pior é que amanhã esquecemo-nos novamente. Não é?

MR disse...

Aqui ficam, completos:

VERSOS CAPARICANOS

Conselhos a um rapazito esperto

Bom sucesso ninguém diz,
Fica melhor delivrança,
Que assim se fala na França,
E as modas vêm de Paris.

Tampouco sobrelevar,
Que em português transcendente
Salientar vem de saliente,
E cai-lhe mesmo a matar!

A palavra concorrência
Passou como velharia.
Fica melhor hoje em dia
Dar-lhe o nome de Assistência.

Rapariga... ouves dizer:
(Andas sempre de alcateia
Contra estas folhas da aldeia.)
Mademoiselle, há-de ser.

Não uses, moço discreto,
Jamais de completamente,
Que a geringonça, actualmente,
Não quer senão: por completo.

Fétiche, afirma o Littré
Vir do português feitiço;
Mas tu não me digas isso,
Senão fétiche en français!

Também um pico de inglês
Não destoa neste instante.
Flirtar é mais elegante,
Que o cortejar português.

Montra?... Sim. Então que tal...
Havia ser mostrador?...
São coisas que têm bolor,
Sediças... de Portugal!

Hoje, frase de puristas,
Com elegância a valer,
Francês e inglês há-de ter,
Senão é de Quinhentistas.

Companheira é como se chama
À mulher o povo inculto,
O burguês, homem mais culto,
Não diz senão: a madama!

O tempo, corrente viva,
Nos leva no turbilhão,
pai e mãe do coração,
da boca a língua nativa!

Se um jovem na adolescência
Dá em verso o seu recado,
É chamar-lhe um consagrado,
Doublé de vária ciência!

Se algum intelectual,
(Isto de ter intelecto
É só para o mais dilecto
Do mistério genial!)

Rompe num grande fracasso,
Botando fumos de esteta,
Embora seja um pateta,
Chama-lhe tu: talentaço!

1905

Bulhão Pato (1928-1912)
In: Faiscas de fogo morto. Lisboa: Typ. da Academia Real das Sciencias, 1908