Prosimetron

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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Leituras no Metro - 70

Continuo com Paris é uma festa, agora sobre a convivência de Hemingway com Gertrude Stein, no estúdio que esta habitava no 27, rue Fleurus:
Placa colocada no prédio. 
Alice Toklas e  Gertrude Stein na sua casa. 
Aspecto do atelier da rue de Fleurus, em 1933.
Ao fundo, na parede, vê-se o retrato de Gertrude Stein por Picasso.

«Eu e minha mulher havíamos visitado Miss Stein e tanto ela como a amiga com quem vivia [Alice Toklas] se haviam mostrado extremamente cordiais e afectuosas. Apreciáramos devidamente o grande estúdio povoado de grandes quadros. Aquilo era como estar numa das melhores salas de um dos mais belos museus com a seguinte diferença porém: é que ali, além de desfrutarmos de uma vasta lareira que irradiava calor, proporcionando conforto, ofereciam-nos boas coisas de comer, chá e licores de destilação natural, feitos de ameixas escuras, de ameixas amarelas e de amoras silvestres. [...]
«Miss Stein era vasta mas não alta e possuía a construção pesada das camponesas. Senhora de belos olhos, tinha um rosto forte de judia alemã, o qual podia igualmente pertencer a uma mulher de Friulano. [...]
«A sua companheira, dona de uma voz muito agradável, era baixa, muito morena e usava o cabelo cortado à maneira de Joana d'Arc, segundo as ilustrações de Boutet de Monvel, e tinha um nariz fortemente arqueado. Quando a conhecemos andava a trabalhar num bordado, e o facto de ir trabalhando não a impedia de fazer as honras da casa e de conversar com a minha mulher. Conquanto fosse mantendo a sua conversa pessoal, ia ouvindo também a outra, que a cada passo tratava de interromper. Mais tarde, explicou-me que era ela quem se encarregava de conversar com as esposas. Eu e a minha mulher sentíamos que as esposas eram simplesmente toleradas. [...]
Poltronas para crianças, estilo Luís XV, com estofado bordado em petit point por Alice Toklas, segundo desenhos de Picasso, ca 1930.

«Foi-me fácil, mercê do calor, dos bons quadros e da conversação, contrair o hábito de, ao fim da tarde, passar pelo n.º 27 da rue de Fleurus. Muitas vezes, Miss Stein não esperava ninguém e mostrava-se sempre muito cordial. Durante algum tempo, mostrou-se mesmo afectuosa. [...]
«Para afastar do cérebro a tentação de escrever depois de ter largado o trabalho, costumava ler os escritores de então, tais como Aldous Huxley, D. H. Lawrence e quaisquer outros, com livros publicados, que eu pudesse trazer do gabinete de leitura de Sylvia Beach ou encontrar em exposição ao longo do cais.
«- Huxley é um morto - disse um dia Miss Stein. - para que deseja ler um homem que está morto? Não vê que ele não passa de um morto?
«Nessa altura, eu não conseguia compreender que ele fosse um homem morto e respondi que os livros dele me divertiam e impediam de pensar.
«- Você só devia ler o que é verdadeiramente bom ou então o que é francamente mau. [...]
«- Se não quer ler obras más e deseja ler alguma coisa que o mantenha interessado e que é maravilhosa no seu género, leia Marie Belloc Lowndes.
«Eu nunca tinha ouvido falar em tal autora. Miss Stei emprestou-me O Inquilino, essa maravilhosa história de Jack, o Estripador, e outro livro a respeito de um crime numa terra afastada de Pais, a qual só podia ser Enghien les Bains. Ambos esses livros eram esplêndidos para se lerem após o trabalho diário: os heróis, verosímeis, e as reacções e os terrores nada possuíam de falso.»

Matosinhos: Quidnovi, 2008
€7,00

Hemingway leu então todos os livros que encontrou de Marie Belloc, afirmando: «Mas nunca mais encontrei nenhum tão bom como os dois primeiros que li nem nenhum outro autor tão precioso para as horas vagas dia e da noite até os livros de Simenon aparecerem no mercado.»
In: Paris é uma festa. Lisboa: Livros do Brasil, [1966], p. 24-40

Sylvia Beach e a sua Shakespeare and Company ficam para outra altura. Tenho uma biografia sobre ela, interrompida no monte.
Quanto a Marie Belloc Lowndes era avó de Susan Lowndes Marques, de que aqui trouxe, há dias, um livro de cozinha.

1 comentário:

Jad disse...

Eu quero fugir para Paris!