«Um futebolista português foi transferido do Santa Clara, Açores, para o modesto Jaén, Espanha. Na apresentação, ontem, ele chumbou em memória: apareceu de T-shirt com a cara de Franco estampada. Não a de Franco Baresi, grande líbero, que brilhou no Milan, mas a do general Francisco Franco Bahamonde, não confundir com Federico Bahamontes, lendário ciclista, ganhador dum Tour. Quer dizer, o nosso patrício, com tanta escolha haveria logo de ir pela cara dum pulha. Lá esteve, com sorriso de defeso e um criminoso ao peito. Se fosse manobra publicitária, seria de arromba (muitos tweets, ontem), mas foi só ignorância, ele não sabia de Espanha. Pior, os do clube de Jaén - que viram o português, do chegar até se sentar na sala das apresentações, e não o preveniram - alinharam em maior ignorância, não sabiam nada da sua Jaén. Esta é a andaluza capital mundial do azeite, cercada de oliveiras. Um dia, noutra eternidade, ouvi Paco Ibáñez a cantar "Andaluces de Jaén". Voz dorida dum exilado, a cantar quem trabalha: "Andaluces de Jaén / Aceituneros altivos/ Decidme en el alma, quien? / De quien son esos olivos? / Andaluces de Jaén." Palavras de Miguel Hernández, que começou pastor na Andaluzia e fez-se poeta grande. No fim da guerra civil, tentou fugir para Portugal mas Salazar devolveu-o a Huelva, ao tal da T-shirt. Miguel Hernández morreu numa cela, em 1942, aos 31 anos. Nada é tão perda de memória como quando ela é exposta ao peito.»
Ferreira FernandesDN, Lisboa, 30 jul. 2015
Quando vi este rapazinho na tv, também eu me lembrei da canção de Paco Ibáñez.
4 comentários:
Haverá duas maneiras, pelo menos, para classificar o dislate. A primeira, mais rigorosa, seria dizer-se: quem trabalha com os pés, usa pouco a cabeça; a segunda, talvez mais justa e exacta, é que memória e cultura, nos dias de hoje, têm pouquíssimo valor, e se descartam, rapidamente, como coisa efémera e inútil.
Bom dia!
Concordo com a segunda.
Quando vi o rapaz naquela triste figura, com um ar muito feliz, perguntei-me como é que nenhum espanhol não o aconselhou (no mínimo) a mudar de t-shirt.
Bom dia!
O "escândalo" do jogador com a cara de Franco na T-Shirt é mais um caso de ignorância, elevado à máxima potência por ser de um jogador de futebol, mesmo que de um club modesto e por se tratar do ditador espanhol e isto ter ocorrido em Espanha. Tivesse ele usado uma camisola com Che Guevara, que também não deve saber quem foi, ninguém dizia nada.
Não deixa de ter alguma razão, JMS. Infelizmente. Eu tb fui uma admiradora de Che Guevara até ao dia em que vi um documentário sobre ele e li a biografia que Taibo escreveu.
Tb anda por aí muito meninó com o Che (transformado em estrela pop) estampado na camisola e não sabe nada sobre ele.
Bom dia!
Enviar um comentário