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domingo, 19 de março de 2017

Leituras no Metro - 273

Se não fosse um amigo meu não teria dado pela saída deste livro. É de agradecer a Pedro Foyos, um dos jornalistas do República e do Jornal do Caso República, ter-se metido nesta empreitada de contar a ocupação do diário da tarde e as peripécias para a execução do Jornal do Caso República. Tudo bem contextualizado no Verão Quente de 75 e com algumas pequenas histórias, umas comoventes e outras grotescas. 
Quem viveu este tempo gostará de ler este livro e quem não o viveu ficará informado de como foi difícil lutar pela liberdade de expressão e pela própria liberdade.

19 de maio de 1975
9h15: «Um grupo integrando tipógrafos e um elemento adstrito à direção comercial entra na redação com o propósito de “comunicar uma coisa” a Raul Rego. No gabinete deste é-lhe apresentado um ultimato no sentido de o forçar à demissão, juntamente com o adjunto Vítor Direito e o chefe [de redação] João Gomes. Perante a enérgica recusa da direção em admitir tal exigência, o grupo pergunta se a direção e a redação estariam dispostos a elaborar o jornal desse dia, mantendo-se contudo, a exigência da demissão. Raul Rego comunica a intenção de dar conhecimento dos factos aos redatores. Os interpelantes retiram-se.» É João Gomes quem no minuto seguinte põe a redação ao corrente da situação. Os jornalistas resolvem expressar por meio de voto a sua posição face às ocorrências e por 22 votos contra dois expressam «total confiança e solidariedade» com a direção. (p. 119)
11h00: «Os jornalistas dão-se conta, entretanto, de que lhes é interdito igualmente o acesso ás instalações sanitárias […]. Para as necessidades mais prementes utilizam-se troféus em forma de taça, alguns dos quais procedentes dos históricos Centros Republicanos, que adornam o topo de uma comprida estante do gabinete do diretor.» (p. 121)

«O diretor do único jornal diário que desafiou o fascismo durante décadas e salvou a dignidade da imprensa portuguesa, esse, teve de mijar na taça ganha num campeonato de 1949, nem à latrina o deixaram ir.»
Álvaro Guerra – Café 25 de Abril (transcrito na p. 121) 

Coleção de todos os números do Jornal do Caso República, alguns dos quais chegaram a tirar 200 000 exemplares. Para o fazerem, os jornalistas arriscaram a vida e tiveram de mudar de tipografia várias vezes.

15 de julho de 1975
«Neste dia são divulgadas declarações de Otelo Saraiva de Carvalho que perduram nas antologias históricas do Verão Quente de 1975: "Eu, às vezes, chego a pensar que a nossa inexperiência revolucionária, enfim, teria sido melhor se, em 25 de Abril de 1974 encostássemos à parede ou mandássemos para o Campo Pequeno [praça de touros] umas centenas ou uns milhares de contrarrevolucionários, eliminando-os à nascença."» (p. 153)

Chegou a circular uma lista com alguns nomes desses «contrarrevolucionários» onde se encontravam jornalistas do República.
Otelo devia ter-se inspirado no que Franco fez a republicanos espanhóis quando os mandou matar na praça de touros de Badajoz, incendiando-os com petróleo ou gasolina. Portugueses da raia diziam que o cheiro a carne queimada era medonho. Ou então, em Pinochet que, em 1973, prendeu os seus opositores num campo de futebol, onde muitos foram mortos. Tudo 'boas práticas', como agora se diz.

20 de julho de 1975:
«Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou.»
Miguel Torga - Diário XII
(cit. p. 162)

A leitura continua...

2 comentários:

bea disse...

Sobretudo admiro e comungo da afirmação de Torga.

Jad disse...

A história por vezes é ingrata para aqueles a quem são devedores.
Viva «A República»!