O DESEJO
O desejo, o aéreo e luminoso
e magoado desejo latia ainda;
não sei bem em que lugar
do corpo em declínio mas latia;
bastava ouvir os olhos para ouvir
o nasalado ardor da sua voz:
era a manhã trepando às dunas,
era o céu de cal onde o sul começa,
era por fim o mar à porta - o mar,
o mar, pois só o mar cantava assim.
Eugénio de Andrade
(1923 -2005)
1 comentário:
Li o "Desejo" ao som do Ravel.
Bela combinação.
Gosto imenso do Eugénio de Andrade.
Lembra-se que há uns anos se editaram uns poemas num maço de cigarros: diz sim à dependência Poética. Não fumo de modo que estes cigarros souberam-me bem.
Resolvi tirar ao acaso no maço dos poetas anglo-saxónicos e saiu este:
"Ode a um Rouxinol"
O meu coração sofre uma pesada
sonolência
desce sobre os sentidos, como se tivesse
bebido cicuta
ou terminasse agora de esvaziar uma taça
com um suco
entorpecedor e denso, até me perder nas
águas do Letes.
Não, não é pela inveja da tua feliz sorte,
mas por participares do seu excesso,
que tu Dríade alada e ligeira das árvores,
vens cantar o estio com uma voz plena e
calma,
através de um bosque melodioso que nos
entrega
a sua frescura e uma sombra inesgotável.
(...)
John Keats, in, "diz sim à dependência poética", Editora Ausência, V.N.Gaia, 2000 (20 cigarros 4 euros)
A.R.
(Desculpe a extensão do comentário mas foi a maneira que encontrei de agradecer os minutos de Domingo indecisos entre a leitura ou o visionamento de Woody Allen)
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