Prosimetron

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

André Malraux, A Rainha do Sabá 2

The False Mirror, 1928, (54 x 80.9 cm). Magritte
PORTA PARA O DESCONHECIDO
"Acima, o céu é azul. Firmamento ilimitado nos bancos alegres de nuvens brancas, visão do começo do mundo antes da aparição da terra! Nenhuma ave. A solidão da Génese. Avançamos assim durante cerca de meia hora no absoluto, enquanto em baixo, como outro planeta, desfilam os territórios africanos da Terra. Mas esta paisagem de cosmogonia, sem limites, também está desprovida de dimensões - à direita, a luz perde-se num vapor de água rubro que não se sabe se é bruma ou a espessura do ar. As montanhas da Arábia decerto, não estão longe, apesar de não as vermos. (...) Todas as enseadas que ultrapassamos uma após outra com uma paciência de insecto e cuja suavidade das dunas parece dissolvida no tempo, foram os pequenos portos esquecidos das civilizações pré-islâmicas. Aqui, abrigam-se as naus de Sabá, assim como as fenícias que levavam à rainha, em presentes, «as pequenas roseiras da Síria consteladas com as suas rosas». Esta encosta encontra-se ligada a Sanaa pela T.S.F. e, para não sermos detectados, voamos nas nuvens, e é através de longos buracos que nos surge ao fundo da bruma uma solidão inesgotável, rodeada pelo murmúrio da ressaca. As montanhas do Norte ser-nos-ão mais favoráveis? Abaixo das nuvens, há a mesma bruma, e, quando descemos, vemos, ao fundo o seu golfo arenoso, Moca, mesquita branca e muralhas de palácios na imensidão da aeria:
Quantos sonhos terão alimentado estas ruínas? Quando adolescente, eu procurava no tesouro do estrangeiro cidades romanescas e, passados vinte anos, encontro aqui o odor da serradura de um pequeno botequim, onde lia: «Palácios magníficos que caem em ruínas.» Nesta luz rubra e esverdeada daareia e do mar, vemos o necessário para continuar a sonhar, (...)".
André Malraux - A Rainha do Sabá, Lisboa: Livros do Brasil, 2006, p. 37-38. (Tradução de Eduardo Saló)

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