Jorge de Sena e Eduardo Lourenço (as fotografias são posteriores a 1953)
"Hamburgo, 22 de Dezembro de 53
Meu caro Jorge Sena
Em Portugal um tipo pode dar-se ao luxo de não deixar o Natal significar nada. Ele significa de mais nos outros. Aqui meu caro, ele significa o Natal daí e esta Hamburgo encharcada de néon e de consolo familiar, com um pobre lusíada fora de uma coisa e outra.
Talvez por isso não pareça de todo mal que eu tente reunir à minha volta, por certa ilusão que você conhece melhor do que eu, os membros dispersos daquela comunidade para a qual somos mais ou menos vivos. Em resumo, apetece-me mesmo conversar consigo, perguntar-lhe pelas suas coisas, pelas suas amolações e também por esse gozo um bocado triste que a não-existência de ambiente literário lisboeta sempre proporciona aos amadores do nada.
Estou como nunca estive, com as comunicações cortadas com essa bendita pátria que o seu compadre Régio anda empenhado tão heroicamente em dignificar só porque existe. (…) Não percebo. Ou antes não quero perceber, porque, se um dia percebo, é o diabo. Agora até o Álvaro Ribeiro… E tem razão. Mas deixemos os muito ilustres. Essa gente conhecida apresentou alguma coisa no stand de Inverno ou como de costume só os neo-realistas? (…)
De literatura foi o que me chegou e é precisamente o que me interessa menos. Gostava era de saber o que faz o Jorge de Sena, o José-Augusto [França], o Casais [Monteiro], os vivos"2.
Eduardo Lourenço
Correspondência Eduardo Lourenço /Jorge de Sena, (org. e notas de Mécia de Sena), Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1991, p. 34-35.
Correspondência Eduardo Lourenço /Jorge de Sena, (org. e notas de Mécia de Sena), Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1991, p. 34-35.
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