Ideia da linguagem I
I. Um belo rosto é talvez o único lugar onde há verdadeiramente silêncio. Enquanto que o carácter deixa no rosto as marcas de palavras não ditas, de intenções não realizadas, enquanto que a face do animal parece sempre estar a ponto de proferir palavras, a beleza humana abre o rosto ao silêncio.
Mas o silêncio- aquele que advém daqui- não é uma simples suspensão do discurso, mas silêncio da própria palavra, a palavra a tornar-se visível: a ideia da linguagem. Assim, o silêncio do rosto é a verdadeira morada do homem.
II. Só a palavra nos põe em contacto com as coisas mudas. A natureza e os animais são desde logo prisioneiros de uma língua, falam e respondem a signos, mesmo quando se calam; só o homem consegue interromper, na palavra, a língua infinita da natureza e colocar-se por um instante diante das coisas mudas. A rosa informulada, a ideia da rosa, só existe para o homem.
- Giorgio Agamben, Ideia da Prosa, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Cotovia, 1999, p. 112.
8 comentários:
Um rosto belo obriga-me sempre a parar e a admirar em silêncio.
O rosto que escolheu é, para mim, realmente belo.
J.
O texto é de uma limpidez clássica - no melhor sentido.
O rosto não tem ainda a "máscara" do tempo que,para mim, é essencial à obra (de arte).
O tempo e a natureza trazem sempre beleza ou fealdade ao rosto (Lauren Bacal/Brigitte Bardot; Yeats/Auden), consoante as experiências vividas e que, na minha opinião, reflectem, esteticamente, o vivido.
Não há, no que digo, um juízo moral. E, o feio, é muitas vezes extraordinariamente estético.
O texto é belo. Já o tinha lido e havia-me esquecido.
A beleza do rosto marcado pelas palavras não ditas acontece quando cruzamos o olhar com alguém e, nessa troca, houve um pouco de cumplicidade, mesmo que depois nunca mais nos cruzemos de novo.
APS,
Obrigada pelas suas palavras que foram tão belas como as que o Luís qaui deixou:
- "o feio, é muitas vezes extraordinariamente estético"
leia-se aqui
Este exemplar não é propriamente o meu ideal de beleza masculina.
Estou mais na onda de APS. A Bacall está linda, assim como a Julie Christie, a Diane Keaton, mulheres que souberam envelhecer. Yeats também era belíssimo no fim da vida.
E concordo em que "o feio, é muitas vezes extraordinariamente estético".
Não conheço este livro de Agamben.
Ana,
Penso que para haver cumplicidade tem de se conhecer muito bem o outro e o outro a nós.
Esse cruzamento de olhares com um desconhecido em que pensamos que olhámos para uma coisa ou situação de um mesmo modo, pode não ter acontecido. Pensamos que sim, mas não sabemos.
É um rosto sem a patine do tempo. Não sabemos se e como resistirá ao passar das décadas. Uns conseguem-no, outros não, se bem que a cirurgia plástica vá ajudando ou corrigindo o destino biológico...
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