Prosimetron

Prosimetron

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O livro que ando a ler...

Pedindo desculpa por "roubar" o título desta "crónica" a um amigo, digo que ando a ler um livro bastante curioso: Um Soneto : Respeitosa Homenagem a Um só Neto. Foi publicado no Porto, em 1942 (2.ª ed, em 1944), e o seu autor é Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes, Conde de Alvellos. Vou voltar a este livro.
Hoje vou apenas transcrever umas coplas que o autor traduziu e adaptou para português

Coplas de Juan del Enzina a certa Dama que lhe pedia
uma cartilha para aprender a ler:

De vosso querer, eu cativo
de paixão apaixonado,
tanto cresce o meu cuidado,
que já nem sei como vivo!
Vida que desespera,
e que eu levo a carpir,
por vos desejar servir,
quanto mais eu mais pudera.

Para aprenderes a ler,
me pediste uma cartilha,
o que acho maravilha,
(- até nem vos posso crer!)
pois tenho minhas razões,
para não acreditar,
que veja, p'ra soletrar
quem não vê os corações...

Fica-vos mal gracejar,
com o bem com que vos quero,
e que é já desespero,
nunca vos alcançar...
Mas, - Senhora, - sois, no querer,
e, apesar de tanto agravo,
obedeço como escravo,
para aqui vos escrever...

Há-de ser este A B C
uma cartilha de amor,
pois assim, saberei pôr,
o que a vossa vista não vê...
Em cada letra, a perfeição
da vossa pessoa linda,
ou, então, dor infinda
do meu triste coração.

E se bem quizeres olhar,
estas letras que aqui vão,
elas mesmas vos dirão
vossa graça e meu penar: -
- É o A - o meu amor;
é o B - vossa beleza;
o C - será a crueza
sobre o D - da minha dor...

E o E - a minha esperança;
mais o F - minha fé;
a vossa graça é o G -
(graça que desgraça alcança!...)
O H - vossa Harmonia;
o I - minha infelicidade,
o J - a jovialidade,
pela tristura que é mia...

É o K - também motivo
de vos pedir caridade;
e o L - lealdade,
que de vós me traz cativo;
o M - é a maravilha,
da vossa estranha beleza;
sendo o N - nobreza,
que a vossa raça perfilha.

O O - vosso ódio por mi;
o P - minha paixão vos diz;
o Q - como ele é que eu quis
ganhar-vos e me perdi...
Será o R - remanso
de meu mal que não melhora?
o S - é, minha Senhora,
servidão, com que não canso.

O T - é esse o temor
de ver tão pobre o meu verso;
será U - o Universo
que a vossos pés quero pôr.
Com o V - logo vencia,
a quem me tira sossego,
se não me puzesse grego,
esse Y - grego d'arrelia...

O Z - zeloso ciúme,
como final do meu fim;
castigo por ir assim
mirar a tão alto cume...
- Tantas letras p'ra compor,
palavras das mais pequenas...
- Com cinco letras apenas
escrevo tudo: - O Amor .

Agora, que doutra sois,
sabendo o que mais importa,
abri-me Senhora, a porta,
para nós lermos os dois;
e eu vos poder dizer,
ao terminar a lição,
que, com suma perfeição,
o meu Amor sabeis ler.
Juan del Encina (1469 – 1529)

2 comentários:

APS disse...

Encina é sempre um auspicioso início!

MR disse...

Achei graça a esta «cartilha de amor».
E ao desenho para bordar.