O Lamento por Ícaro, de Herbert Draper, foi um dos quadros que vi na Tate Britain que me encantou. As ninfas que rodeiam Ícaro lamentam a perda dele. Ícaro que o desejo de voar mais alto levou até ao Sol, acabaria por perecer ao derreter-se a cera das suas asas. A história de Ícaro, figura da mitologia grega, fascina-me.
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Herbert Draper, O Lamento por Ícaro, exibido em 1898
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Ícaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
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Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...
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Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
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Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
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José Régio, Poemas de Deus e do Diabo, Lisboa: Quasi, 2005
8 comentários:
Ícaro é um tema recorrente na pintura e na literatura.
Lembrei-me de um quadro de Brueghel,o Velho,que está em Bruxelas: "Paysage avec la chute d'Icare".
Na pintura, Ícaro mal se vê,submerso,só uma parte das pernas
se adivinha. O quadro é tão singular que originou, pelo menos,dois poemas: a W.H.Auden ("Musée des Beaux Arts") e a William Carlos Williams ("Landscape
with the fall of Icarus".
Este que a Ana postou é mais linear,mas também é interessante.
Alberto Soares
Irei colocar o de Brueghel, o velho, já estava na lista, também gosto. Aliás, adoro este pintor.
Tem razão este é mais linear. Quanto aos poemas não os conheço irei procurá-los.
Obrigada pelas suas pistas que contribuem para o meu enriquecimento!
Ana
Há um poeta português cuja obra anda muito à volta de Ícaro. Dá pelo nome de António de Almeida
Mattos. E tem um poema de que eu
gosto muito. Vou partilhá-lo consigo:
"Altas paredes brancas me contornam
E eu invento longas madrugadas
Doiro colinas calmas espaçadas
e a dor de te matar cobre-as de neve/
Espero que também goste.
APS,
Gostei imenso e não conhecia.
Muito obrigada!
Ana
Alberto Soares,
Gosto muito de Auden. Vou tentar ler esse poema, de que me não lembro. William Carlos Williams conheço, mas muito mal.
Esqueci-me de dizer que gosto da poesia de António de Almeida Matos e gostei deste poema que escolheu. Há tempos, coloquei dois versos dele.
Ainda do António de Almeida Mattos,com "envoi", para MR e Ana
(e com Ícaro dentro):
"De cada grão de pele fazer um lábio/
em breve lume o gesto desenhado
de uma a mil a língua descobrindo
cada vitória exacta de um salgado
contorno se constrói a própria sede
na seara que esconde o sol de nada
ou ícaro suspenso revelando
que gota a gota as asas se desprendem/"
APS,
Belíssimo!
"na seara que esconde o sol de nada
ou ícaro suspenso revelando
que gota a gota as asas se desprendem/"
Merci beaucoup!
Ana
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