Tenho em casa uma pintura do italiano Savelli-depois compreendi muito bem quando soube que ele fora convidado para fazer vitrais no Vaticano.
Por mais que olhe o quadro não me canso dele. Pelo contrário, ele me renova.
Nele, Maria está sentada perto de uma janela e vê-se pelo volume do seu ventre que está grávida. O arcanjo, de pé ao seu lado, olha-a. E ela, como se mal suportasse o que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa e angústia.
O anjo, que veio pela janela, é quase humano: só suas longas asas é que lembram que ele pode se transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas, e seu rosto é o rosto de um homem.
É a mais bela e cruciante verdade do mundo.
Cada ser humano recebe a anunciação: e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia. Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir.
A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro.
(21 de Dezembro de 1968)
- Clarice Lispector, in A DESCOBERTA DO MUNDO,2ªed, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,1984.
3 comentários:
Que beleza de post!:)
Que belo!
Clarice, ser humano complexo, foi do melhor que a literatura brasileira produziu na segunda metade do século XX. Tentei encontrar a tela de Savelli a que ela se refere no texto, mas sem sucesso.
Regiani: Bom Natal, que desse lado do mundo é bem mais quente do na Velha Europa.
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