- Maria Antonieta foi guilhotinada ao meio-dia do dia 16 de Outubro de 1793 na actual Praça da Concórdia, então Praça da Revolução.
" (...) Maria Antonieta é um dos mais belos exemplos desse heroísmo involuntário.
Com que arte, com que engenho nos episódios, sob que vasta cena, a História construíu o seu drama em roda desta natureza vulgar, com que ciência ela fez nascer os contrastes em volta dessa personagem central que, desde o princípio tão pouco se prestava a isso!
Com manha diabólica, começou por encher essa mulher de favores... Dá à criança, para morar, um palácio imperial, à adolescente uma coroa, à mulher jovem prodigaliza generosamente todos os dons do encanto e da riqueza, concedendo-lhe também um coração que não se preocupa com o valor desses presentes. Durante anos, acarinha e anima esse ente leviano, até que o torna cada vez mais inconsciente, fazendo-lhe quase perder a razão. Mas se o destino conduziu rápida e facilmente essa mulher ao mais alto grau de felicidade, foi só para a deixar caír, em seguida, com a mais requintada lentidão e crueldade.
Com um realismo melodramático, esta tragédia põe em presença os contrastes mais violentos ; arranca Maria Antonieta de um palácio com cem salões, e atira-a para uma prisão miserável; do coche doirado para o carro penitenciário; do trono para o cadafalso; arremessa-a do luxo para a indigência; de uma mulher , que goza da estima geral e é aclamada por todos, faz um objecto de ódio sobre o qual se abate a calúnia; em resumo, arrasta-a sempre cada vez mais para baixo, sem piedade, até ao supremo abismo.
(...) a desgraça não cessa de martelar a alma mole e fraca de Maria Antonieta, antes de ter obtido dela a firmeza e a dignidade, e de lhe fazer surgir toda a grandeza ancestral, guardada bem no seu íntimo. Esta mulher maltratada, que nunca teve curiosidade de si própria, percebe enfim, com horror, no meio dos seus tormentos, a transformação que se opera justamente no instante em que o seu poder real acaba: sente nascer em si qualquer coisa de grande e de novo, que não seria possível sem essa prova.
« É na desgraça que a gente sente melhor quem é. » Estas palavras, altivas e comovedoras, jorram da sua boca e espantam. Um pressentimento diz-lhe que é justamente devido à dor que a sua pobre vida ficará, como exemplo, para a posteridade. E, graças a esta consciência de um dever superior a cumprir, o seu carácter engrandece-se para além de si próprio. Pouco antes da forma humana se quebrar, a obra-prima imperecível está concluída, pois na última hora da sua vida, mesmo na última hora, Maria Antonieta, natureza mediana, atinge a expressão trágica e torna-se igual ao seu destino. "
- Stefan Zweig, Maria Antonieta ( Introdução)
Também é pelas páginas, de que transcrevi o final, da introdução à obra, que Zweig continua a ser, para mim, o melhor biógrafo da última rainha do Ancien Régime. Tendo lido várias biografias de Maria Antonieta, umas melhores do que outras, é esta a minha biografia de referência, tantos anos depois de a ter lido pela primeira vez numas férias de Verão em casa dos meus avós paternos. Aliás, foi desse exemplar que transcrevi as linhas supra, pelo que fica explicado o uso de algumas palavras hoje menos correntes. É o exemplar do meu avô, por ele assinado, e que nunca devolvi... É a edição de 1958, da Livraria Civilização Editora, com tradução de Alice Ogando.
1 comentário:
O primeiro livro que li de Stefan Zweig foi «24 horas na vida de uma mulher», que o meu pai me comprou numa Feira do Livro. A partir daí, devorei os seus romances, contos, biografias, etc., sempre nas edições da Civilização.
Há uns anos, quando fui à Áustria, li as suas memórias, «O mundo de ontem», e adorei.
Teve uma vida angustiada.
M.
Enviar um comentário