Prosimetron

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sábado, 4 de julho de 2009

Passei o Tejo à noitinha


TERCEIRA CANTIGA

Passei no Tejo à noitinha
E vi o Tejo calado.
Trago um barco de papel
Para o deitar no mar salgado.
Quando o barco se romper,
Deito no Tejo uma estrela.
E a estrela branca lá fica
E nunca mais torno a vê-la...
Que nas águas deste rio
Parte gente pró degredo...
O povo vive e não morre,
Mesmo cercado de medo!

Antunes da Silva publica, 25 anos mais tarde, o mesmo (?) poema modificado e acrescentado, com novo título (Lisboa: Livros Horizonte, 1982):

PASSEI O TEJO À NOITINHA
Passei o Tejo à noitinha
e vi o Tejo calado,
trago um barco de papel
p'ró deitar no mar salgado.
Quando o barco se romper
deito no Tejo uma estrela
e a estrela branca lá fica
e nunca mais torno a vê-la...
Dizem os homens e mulheres
que nas águas deste Tejo
barra fora lá seguiram
camponeses do Alentejo
que nesse tempo sentiram
o que era a triste vida
feita de nada de nada
e por demais permitida...
Falam os homens mais velhos
que neste rio -ó desgraça! -
partiu barco e partiu povo
rumo a Timor e Mombaça
passando pelo mar alto
p'ró Bié e Tarrafal,
gente de boa presença
que nunca a ninguém fez mal!
Diziam os homens mais velhos
com espanto e em segredo,
que nas águas do rio Tejo
partiu gente p'ro degredo:
Timor, Bié, Tarrafal,
no tempo do Salazar
as barcas seguiam cheias
a navegar, a navegar,
com homens em cativeiro,
Timor, Bié, Tarrafal,
e regressavam com ferro,
coco, amendoim e sisal...
Passo o Tejo à noitinha
e já ninguém me faz mal!

Antunes da Silva
(poeta, nasceu e morreu em Évora)

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei mais da primeira versão talvez, por ser mais simples. Porém, a segunda tem subjacente o problema político que o enriquece.
A.R.

LUIS BARATA disse...

Confesso que certas "alterações" deixam-me com sentimentos contraditórios.

MR disse...

Penso que as diferentes publicações do poema se devem ter devido às diferentes épocas em que foram publicados. Talvez tivesse sido inicialmente escrito como publicado em 1982... Não sei...