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Pedro não tinha grandes saudades do bairro, mas ia lá uma vez por semana ver a mãe, sempre a horas em que o pai não estava.
Tinham sido trocadas duras palavras quando anunciou que ia sair da fábrica e procurar outro emprego. E quando pouco tempo depois foram dizer ao Sr.Alfredo que o Pedro passava os dias a sair e a entrar do bairro com o " Quim da D.Ermelinda ", ainda mais duras palavras foram ditas- ou Pedro voltava para a fábrica ou tinha de sair de casa.
Ultimato definitivamente decidido no dia seguinte quando Pedro disse ao Sr.Alfredo que estava a ganhar mais numa semana do que o pai num mês.
Essa noite foi já dormida em casa de Quim, tendo Pedro ido a casa dos pais na manhã seguinte buscar os seus pertences, sem esquecer os novos Nike, as novas Levi's e o ipod.
A mesma manhã em que foi conhecer, levado por Quim que nela tinha boas clientes, a pensão da D.Odete.
Mas se Pedro se adaptou bem à D.Odete e à rotina da pensão, embora não apreciasse muito os olhares lúbricos da proprietária, cinquentona de cabelo e unhas flamejantes sempre prestes a rebentar dentro de vestidos justos, o mesmo não acontecera com Carina que dizia que ele vivia numa pensão de putas.
A jovem enfermeira recusava entrar na " Pensão A Estrela da Avenida ", nome oficial da pensão da D.Odete, pelo que a intimidade entre eles, nas folgas de Carina, decorria noutra pensão da Almirante Reis.
Intimidade que se mantinha apesar da proibição decretada pelos pais dela. Que a filha namorasse um soldador já era pouco agradável, que o mesmo estivesse desempregado, era a versão de Carina, atingia os limites.
Carina apenas impusera a Pedro uma condição: que ele não consumisse. Assim, depois de se despirem, Carina inspeccionava-lhe os braços, as pernas, as plantas dos pés, as narinas e o couro cabeludo. Pedro submetia-se ao exame com uma imobilidade total, apesar do desejo crescente.
Com o tempo, o exame ritualizou-se e passou a ter a qualidade de prelúdio ao acto amoroso propriamente dito.
Nos braços de Carina, ele esquecia as noites frias da Ericeira esperando na areia a chegada dos botes, as idas ao aeroporto para ir esperar as "mulas" e aguardar que elas evacuassem os "pacotinhos" que tinham engolido em Marrocos e sobretudo as "cobranças difíceis" em que por vezes acompanhava Quim e Vladimir, este um brutal moldavo em quem se percebia o gosto pelo sangue. Até agora, Pedro só presenciara "avisos" sob a forma de narizes e cabeças partidas, mas tinha a certeza de que Vladimir era capaz de muito mais.
(cont.)
8 comentários:
Todos os ingredientes reunidos para uma história muito interessante. Ficamos a aguardar! Filipe
Pois é, isto promete.
M.
Yep!
E estamos todos... todos... esperando as próximas 24 horas.
Está aqui um romancista em potência.
E já andamos pela avenida da Dona Genciana... Que saudades!
Escola do Paraíso!
Então "saudades para D. Genciana" (1956) uma das grandes novelas de J R Miguéis republicada em conjunto com Léah...
Já vi que há outros migueisianos a "pastar" por aqui.
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