Lisboa: Campo da Comunicação, 2013
Maria Antónia Fiadeiro escolheu as cartas e organizou a edição de cartas que Fernando Piteira Santos escreveu à sua mãe, à sua mulher Stella e a ela própria Maria Antónia, sua afilhada e depois enteada, durante vários anos: na prisão, na clandestinidade e no exílio.
Militante contra a ditadura desde a juventude, Piteira foi membro do Comité Central do PCP entre 1941 e 1950, ano em que foi expulso a pretexto de uma falsa acusação de delação. Antifascista, oposicionista ativo, conheceu por isso os cárceres da ditadura, tendo sido preso por três vezes. Em 1961 colaborou na tentativa de assalto ao Quartel de Beja, vendo-se por esse motivo forçado a passar à clandestinidade e depois ao exílio em Argel, de onde só regressou após a queda do regime.
«Aprendo, na vivida experiência diárias, a distinguir um 'tenpo psicológico' e um 'tempo físico'. Domino livremente o 'tempo psicológico'; o 'tempo físico' dá-me referências inúteis ou puramente circunstanciais. É apenas em função do tédio de esperar que me interessa cronometrar os segundos. É um exercício de aproveitamento do tempo contra o tempo. É um ver correr tempo que ajuda a vencer o tempo, como se tivesse sentido encurtar um tempo sem limite, sem prazo. Nesta situação de esperar, o tempo passa e de nada nos aproxima, a não ser de nós próprios. E é o 'odioso eu', como dizia o Pascal, a minha única e terrível companhia. [...]
«Nesta luminosa tarde de setembro, sem melancolia, sem d0espeito, recordei aqueles versos do Diário de Miguel Torga: // 'Como a tarde sem mim tem alegria / Como o sol vai contente sem me ver'.
«Sem melancolia recordei os versos, sem feio despeito os fui repetindo, mas no íntimo, sejamos sinceros, com uma humana e compreensível inveja de quantos gozavam livremente a tarde luminosa e recebiam plenamente a benção do sol.»
(De uma carta a sua mulher Stella, Cadeia do Aljube, 10 set. 1961, p. 75-76)