Quando até a uma colina ou ao longo do mar
os dois saímos nas noites ligeiras
a passear,
vejo todos a soar
coisa fraterna a nossa aliança.
Nós cuja vida pouco tem de bonança
e tanta inusitada alacridade rende,
nada tem que se possa dizer que o vulgo ofende;
a todos perecemos tranquilos e bons
cidadãos, que apenas desejam um copo e cavaqueira.
Só no coração respondem estrídulos sons,
e ao vento se desfralda uma bandeira.
E nos dias de festa, não antevejo
que pareça estranho procurar o mais deserto dos subúrbios, que mais se eria em nós
do que dois a jantar a céu aberto?
Um marido que já ostenta um desejo
de liberdade, a sua mulher ciumenta;
é o que dizer a qualquer pessoa tenta
pois disso nada parece nos distinguir a nós,
a nós em quem cada coração reparte
dois diferentes destinos
de amor e de arte.
Umberto Saba
In:
Poesia / trad. José Manuel de Vasconcelos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p. 105-107
Umberto Saba nasceu em Trieste a 9 de março de 1883.