Uma velha paixão: o padre António Vieira,
o jesuíta diplomata e político, o réu,
defensor dos cristãos-novos e em causa própria.
Editado pela Temas e Debates com introdução de Guilherme de Oliveira Martins.
Direção: José Eduardo Franco e Pedro Calafate.
Coordenação: Guilherme de Oliveira Martins, José Pedro Paiva e Joana Balsa de Pinho.
PROPOSTA QUE SE FEZ AO SERENÍSSIMO REI DOM JOÃO IV A FAVOR DA GENTE DE NAÇÃO, PELO PADRE ANTÓNIO VIEIRA, SOBRE A MUDANÇA DOS ESTILOS DO SANTO OFÍCIO E DO FISCO, 1646 *
[87] Segundo inconveniente
Tudo isto tem padecido e padece Portugal, como tão católico, pelos interesses da fé, que se há de estimar sobre tudo, e conservar a preço de tudo; mas por esse mesmo respeito se deve considerar e ponderar muitos grandes danos, que, contra a intenção do nosso zelo, resultam dele na mesma fé, que, assim dentro e como fora do reino, padece muito.
[88] Primeiramente padece a fé nos inocentes, porque todos os filhos dos judeus que fogem de Portugal, se viveram nele, haviam de ser batizados, e nas outras partes se perdem por falta de batismo todos os que morrem dentro da idade da inocência, que é um grande número de almas; porque se há de advertir que estes inocentes não são só os que não chegaram aos anos do uso da razão, senão todos aqueles que não têm idade capaz de guardarem segredo tão perigoso, que são até dezoito e vinte anos, antes dos quais se recatam muito os pais de lhes declarar a sua lei, e aos que não têm esta capacidade, nunca lhes fiam o segredo. E no mesmo número [89] entram os que, por se fazerem religiosos, ou saírem da casa de seus pais para os estudos, ou outras ocupações e terras, aprendem nelas diferente doutrina, e vivem com muito católicos procedimentos, de que há ordinários exemplos em toda a parte.
(página 51).
Em nota de rodapé - *BACL, série vermelha, 442, pp 77-175. Os testemunhos hoje disponíveis deste texto, são, todos eles, bastante posteriores à data da sua redação. Optámos por seguir aquele que apresenta uma versão textual mais completa e consistente.