Só para abrir o apetite:
Sonho desfeito
Ao fim da tarde... O sol descia ao longe na linha do horizonte sobre o mar azul soltando os últimos reverberos sangrentos.
Do Casino Internacional, vinham uns sons longínquos de Jazz. Na esplanada do Tamariz, grupos de cavalheiros irrepreensivelmente vestidos, estavam flirtando junto das mesas redondas com damas decotadas de cabelos oxigenados que o sol fazia de ouro brilhante.
Em baixo na praia, sobre a areia fulva e quente, espreguiçavam-se os pares de maillots róseos e negros, adivinhando-se as mulheres, apenas pela graciosidade e elevações doa contornos tão iguais eram os seus trajes.
Ora um desses pares, era formado pelo jovem Armando Valle, filho estroina do tesoureiro do Banco Nacional, e em pregado ele próprio no mesmo banco, e pela rainha de beleza daquela praia já de si linda.
Margarida; se assinava ela simplesmente mas à falta de nomes pomposos ou mesmo de um simples nome próprio, os adjectivos que os seus inúmeros admiradores lhe dirigiam, tornavam-na inconfundível...
A sua beleza era o seu brasão.
Quem a visse assim naquela atitude pensativa docemente recostada num montículo de areia, diria ver a própria Vénus de Milo ressurgida completamente naquele mimoso recanto do Estoril.
O seu maillot rosa-pálido, parecia querer rebentar sob a palpitação fremente, daquela carne mimosa, e sequiosa de amor...
Tudo nela respirava vida, mocidade, sol, labaredas!...
Os seus olhos azuis, de tons estranhos, grandes rasgados doces, ora extremamente meigos, ora rutilos, ferinos de amor, eram bem as janelas luminosas daquela alma ora plácida, ora revolta, irmã gémea do imenso mar, mas sempre grande. Sempre leal e nobre.
O rosto suave, amorenado pelo Sol, sem ter perdido ainda as cores inefáveis do lírio e das rosas...
Casimiro Braga, A dama das Camélias no Estoril, s.l. [Lisboa], s.n, s.d. [post. 1931].