Prosimetron

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Três poemas de amor: Árvores e Pardais


I

o dia não aqueceu
e os raios de sol foram tão cálidos
que nem os pequeninos pardais
se atreveram a revolutear
em travessuras

a terra não aqueceu
e a árvore encolheu-se
a tremer de apreensão

porque tinha calafrios
quando tudo parecia tão monótono?

súbito
um pequeno pardal
chilreou agitando
com suas asas o ar
de suspiros
de lamentos
de incertezas

vinha de longe
para pernoitar
e o chilreio tão comovente
brotava de um coração
quente
ardente
vigilante e atento

e esvoaçava à procura
de algo.
todos os animais estavam atentos
também as árvores se engalanaram
para o atrair

pouco confiante a tília
deixou cair uma folha
e o pardal viu-a ondular
e bater no solo
rugoso
frio
despido

sentindo tamanho amor
o chilreio soou sinfonia
naquela tarde a escurecer.
cruzaram-se notas
soltaram-se instrumentos
e o enamorado pardal
deslizou com suavidade
para o mais pequeno ramo
da experiente tília
que o abraçou ternurenta
e aconchegou pela noite.


II
esgotei minhas palavras
a secar as gotas
que escorriam
descontroladas
do meu coração

perdi o sorriso
mesmo vendo o teu
sangrava nesse instante
descontrolado
no meu rosto

caíram os sonhos
a nossos pés
sem reagir
descontrolados
culpa do passado

voei como pardal
esta manhã
à procura do ramo frondoso
do rasto da tília
ficaram as raízes
onde teria escondido
sua folhagem?
seus ramos fortes e doces ao vento?
piei sem chama
ao silêncio
perguntei a tudo o que se movia
dove sei
e em resposta um sorriso
que me esperançou
mas ainda frágil
espero pousado nas raízes
à espera

III
o pardal esvoaçou
rumo ao paraíso
adormecido no espaço das raízes
que a velha tília deixou pelo caminho.
aí se deu conta
que o paraíso
estava mais vazio
sem a tília
a velha tília
que tinha abandonado o espaço.
o corpinho do pardal estremeceu
olhitos cerrados
convulsões pelo pesadelo que sonhava.
continua ainda o pardal adormecido
a esvoaçar entre sonhos
aguardando a velha
tília
retomar seu espaço
entre as raízes que deixou
ao fugir.

RE, Dove : 20 poemas de amor, Lisboa, Quare, 2012.

Felizes os pardais que encontram a sua árvore para dormir.
Como ficam tristes os pardais que a viram partir, com amor!
Fiquem com uma dúvida: foi o pardal que voou; foi a árvore que secou; ou foram apenas desencontros desta vida... que outra vida, um dia, saberá unir?

1 comentário:

RE disse...

branda a notícia
que correu mundo
e cedo se instalou.

brusca a memória
daquele pardacento local
povoado de mil cores
quando a velha tília
repousava seus ramos ao ar.

será memória ou é real?
multicolores raios
descem nas raízes
no tronco rugoso e protector
da árvore pachorrenta
que se avista ao longe.

a seiva escorre no bico
perfumado
do pardal
engalanado
que sua mais bela gravata usou
qual mel de rochedos
de terras prometidas
de povos fundados!

mas é doce a realidade,
frondosos os ramos velhos
de cores de raios de sonhos
uma beleza eterna
delicada
cujo feitiço do pardal não se afastou.

Lisboa 26.01.2012