“Dos oito (quadros de El Greco) que devíamos ver, quatro infelizmente estavam em Sinaïa, a residência de verão. Os quartos que atravessávamos eram acanhados e malfeitos. Do soalho ao tecto acumulavam-se inúmeros bibelôs, toda a quinquilharia de arte de êxtases “homaisianos”. Não podíamos acreditar no que víamos. Os lacaios nos assinalavam, aqui e ali, sempre um canto perdido e escuro, um são Jorge, uma Natividade, um Casamento da Virgem, pelos quais Auguste havia empreendido essa viagem. Quadros ruins ocupavam lugares de honra, infames; e, sobre os móveis, retratos fotográficos como na casa do meu zelador, em Paris. Tomei nota, para que acreditasse em mim, minha senhora, da sala onde se encontra o Casamento da Virgem. As dimensões são de três metros de largura, dez de profundidade. A metade do cómodo é elevada à altura de um degrau e isolada por meio de uma colunata de madeira de onde pendem cortinas. É atrás dessas cortinas que está o quadro do mesmo tamanho, um episódio da guerra franco-alemã, com fumaça, canhões, mortos e capacetes com ponta. E franceses em debandada! Os dois quadros distam de um metro. (…) No lado oposto ao Greco, uma grande lareira… de madeira, feita para o “panorama”! Em frente do Greco, e ocultando-o um pouco, um busto da rainha em mármore branco. Sobre algumas mesas, um almanaque e fotografias amontoadas, em moldura de couro ou pelúcia. (…).
E na sala de música, onde vêm tocar, como num templo, os jovens protegidos que a rainha mecenas atrai da Europa, é ainda pior, eu juro: não dá para acreditar!...E o quarto Greco que ali definha…é falso!
Le Corbusier, A Viagem do Oriente, São Paulo: Cosac Naify, 2007, (Apoio do Ministério da Cultura Francês - Centro Nacional do Livro, traduzido por Paulo Neves), p. 58-59.