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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Leituras no Metro - 2955

Porto: Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2024.

«Vê se a Primavera já chegou às árvores do quintal. Em mim, é Primavera constantemente: basta viver e viverem pessoas como tu.» (Da primeira carta de Óscar Lopes a Maria Helena, 15 mar. 1955, p. 17)
Este livro - que foi para mim uma grande e boa surpresa - colige a correspondência que Óscar Lopes escreveu a sua mulher, Maria Helena Gaspar Madeira (que ele conheceu quando ambos frequentavam a Faculdade de Letras de Lisboa), quando o escritor esteve preso na prisão da PIDE na Rua do Heroísmo, no Porto, no chamado Processo dos 52, no qual a maior dos presos pertencia ao MUD Juvenil. 
O livro, organizado por Manuela Espírito Santo, que assina também o prefácio e as notas, inclui também as cartas que recebeu da mulher.
«Vi ontem os teus olhos resignadamente serenos atrás da rede». (p. 24-25)
«E o dia em que eu sair em liberdade será o do nosso segundo e mais belo casamento, porque, afinal, nós regressamos agora à fase do namoro.» (p. 33)
«[...] durmo como um frade. Porque frade é justamente o que sou agora, contra vontade, embora nunca me faltasse uma certa vocação para copista beneditino. Como nem sequer me falta o conhecimento das Escrituras e da Patrística em latim e Grego - com umas horas de trabalho na horta, era frade perfeito, amén.» (p. 37)
« Estou, sobretudo, hiper-saturado da minha vida de recluso dos livros.» (p. 42)
«Sinto como tempo perdido, não talvez tanto estes 30 dias, que pouco ou nada são numa vida, mas a falta de humanidade comezinha da vida anterior.» (p. 43)
Ó verbo conviver é hoje, para mim, quase uma palavra mágica. A arte de conviverem profundidade, que eu só quase tenho exercido por escrito, quase desistindo inteiramente da convivência oral, até mesmo com a família, é aquela a que mais conto dedicar-me.» (p. 64)
«Outro postalzinho neste nosso namoro conjugal em que a afeição é bem mais profunda do que na adolescência.» (p. 71)
«Não te esqueças do marido, nem deixes que o esqueçam. Fala em mim aos pessegueiros, ao limoeiro, às fileiras de livros e à minha mesa de cabeceira. E às vistas dos quintais das traseiras e da frente.  E aos autocarros e elétricos. E a uma galante rapariga que conheci aos dezassete anos em Lisboa.» (p. 83)
«É bom ter o mecanismo da fiança engatilhado, embora tanto possa servir dentro de dias como daqui a um mês ou mês e meio.» (p. 94)
Neste tempo, os presos ainda podiam escrever e receber livros. Anos mais tarde, já não seria assim. Os presos também só eram libertados mediante o pagamento de uma fiança, mesmo aqueles que nunca foram julgados.
O livro ainda aqui vai voltar.

Na Trav. do Bessa, Porto, casa dos pais de Óscar Lopes, ca 1950. Da esq. para a dir.: Maria Helena, Mécia de Sena (irmã de Óscar Lopes), Irene Freitas Lopes (mãe de Óscar Lopes que tem ao colo, Isabel Maria, filha de Mécia e Jorge de Sena), e Jorge de Sena; em baixo, Óscar Lopes e os seus dois filhos Sérgio e Rui.

Para a Cláudia.

4 comentários:

Maria disse...

Ando a lê-lo e estou a gostar muito. Cada vez gosto mais de ler este género de livros.
Quinta feliz!🌞⛄️

MR disse...

Boas leituras! Bom dia!

Cláudia Ribeiro disse...

MR,
Obrigada!
Gostei imenso de ler este livro!
As cartas de Óscar Lopes para a esposa, são de uma aceitação, de uma elevação, de uma poesia e romantismo e de alguém realmente superior. Sempre muito preocupado com a família e empenhado na sua obra! Na qual, mesmo privado de liberdade, trabalhou dedicadamente!
Maria Helena, sempre disponível, paciente e colaborante. Foi um pilar fundamental para que Óscar Lopes ultrapassasse este momento tão difícil. Viveu até aos 105 anos.
Manuela Espírito Santo está de parabéns, por nos brindar com mais esta magnífica obra sobre Óscar Lopes.
É muito mais do que um livro de epistolografia.

MR disse...

Só retirei algumas partes em que me pareceu que o olhar de Óscar Lopes se alterou, em relação às pessoas e ao quotidiano, estando privado de liberdade. Coisas em que só reparamos no nosso dia a dia, quando este se altera. Mal comparado, um pouco o que vivemos com a pandemia.
Obrigada! Boa tarde!