Porto: Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2024.
«Vê se a Primavera já chegou às árvores do quintal. Em mim, é Primavera constantemente: basta viver e viverem pessoas como tu.» (Da primeira carta de Óscar Lopes a Maria Helena, 15 mar. 1955, p. 17)
Este livro - que foi para mim uma grande e boa surpresa - colige a correspondência que Óscar Lopes escreveu a sua mulher, Maria Helena Gaspar Madeira (que ele conheceu quando ambos frequentavam a Faculdade de Letras de Lisboa), quando o escritor esteve preso na prisão da PIDE na Rua do Heroísmo, no Porto, no chamado Processo dos 52, no qual a maior dos presos pertencia ao MUD Juvenil.
O livro, organizado por Manuela Espírito Santo, que assina também o prefácio e as notas, inclui também as cartas que recebeu da mulher.
«Vi ontem os teus olhos resignadamente serenos atrás da rede». (p. 24-25)
«E o dia em que eu sair em liberdade será o do nosso segundo e mais belo casamento, porque, afinal, nós regressamos agora à fase do namoro.» (p. 33)
«[...] durmo como um frade. Porque frade é justamente o que sou agora, contra vontade, embora nunca me faltasse uma certa vocação para copista beneditino. Como nem sequer me falta o conhecimento das Escrituras e da Patrística em latim e Grego - com umas horas de trabalho na horta, era frade perfeito, amén.» (p. 37)
« Estou, sobretudo, hiper-saturado da minha vida de recluso dos livros.» (p. 42)
«Sinto como tempo perdido, não talvez tanto estes 30 dias, que pouco ou nada são numa vida, mas a falta de humanidade comezinha da vida anterior.» (p. 43)
Ó verbo conviver é hoje, para mim, quase uma palavra mágica. A arte de conviverem profundidade, que eu só quase tenho exercido por escrito, quase desistindo inteiramente da convivência oral, até mesmo com a família, é aquela a que mais conto dedicar-me.» (p. 64)
«Outro postalzinho neste nosso namoro conjugal em que a afeição é bem mais profunda do que na adolescência.» (p. 71)
«Não te esqueças do marido, nem deixes que o esqueçam. Fala em mim aos pessegueiros, ao limoeiro, às fileiras de livros e à minha mesa de cabeceira. E às vistas dos quintais das traseiras e da frente. E aos autocarros e elétricos. E a uma galante rapariga que conheci aos dezassete anos em Lisboa.» (p. 83)
«É bom ter o mecanismo da fiança engatilhado, embora tanto possa servir dentro de dias como daqui a um mês ou mês e meio.» (p. 94)
Neste tempo, os presos ainda podiam escrever e receber livros. Anos mais tarde, já não seria assim. Os presos também só eram libertados mediante o pagamento de uma fiança, mesmo aqueles que nunca foram julgados.
O livro ainda aqui vai voltar.
Na Trav. do Bessa, Porto, casa dos pais de Óscar Lopes, ca 1950. Da esq. para a dir.: Maria Helena, Mécia de Sena (irmã de Óscar Lopes), Irene Freitas Lopes (mãe de Óscar Lopes que tem ao colo, Isabel Maria, filha de Mécia e Jorge de Sena), e Jorge de Sena; em baixo, Óscar Lopes e os seus dois filhos Sérgio e Rui.
Para a Cláudia.
2 comentários:
Ando a lê-lo e estou a gostar muito. Cada vez gosto mais de ler este género de livros.
Quinta feliz!🌞⛄️
Boas leituras! Bom dia!
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