"Heidi“ de Johanna Spyri figura seguramente entre as mais conceituadas obras da literatura infantil. Gerações sucessivas de crianças acompanharam apaixonadamente o destino da pequena orfã suíça que, retirada da vivência idílica junto do avô nos Alpes, enfrenta um mundo urbano desconhecido e, por vezes, hostil na cidade de Frankfurt. A amizade com Klara comoveu milhões de miúdos.
Heidi encontrou em Spyri uma mestre literária por excelência que reuniu humor, humildade e uma compreensão extraordinária pelos sentimentos, receios e desejos do universo infantil. A tradução em 50 idiomas ajudou a conquistar os corações dos jovens leitores pelo mundo fora. As adaptações cinematográficas e televisivas contribuíram igualmente para este sucesso: entre elas, destacaria as produções helvéticas de 1952 e 1955, baseadas nos dois livros de Spyri, que nos mostram uma Heidi simplesmente encantadora e genuína. Claro, a série nipónica dos anos 70 (de gosto discutível, perdoem-me...) atingiu um público em massa.
Mas independentemente do meio com que nos tenhamos aproximado de Heidi, ouso afirmar que a infância de muitos entre nós não teria sido a mesma sem esta figura única.
Uma descoberta recente revela, no entanto, alguns detalhes interessantes e menos inocentes sobre a origem verdadeira da menina suíça. O alemão Peter Büttner, licenciado em Germânicas, está a investigar, na sua tese de doutoramento, a literatura do período Biedermeier (período alemão entre 1815 e 1848). No âmbito deste trabalho, estudou o espólio de Hermann Adam von Kamp (1796 – 1867), oriundo da Renânia Vestfália do Norte. Von Kamp, professor primário e poeta, escreveu em 1830 o romance „Adelaide - das Mädchen vom Alpengebirge“ (trad. Adelaide, a menina da montanha dos Alpes). Despertada a curiosidade, Büttner rapidamente identificou coincidências inegáveis entre a obra de von Kamp e a de Spyri. No centro da narrativa, encontra-se Adelaide (cuja versão diminutiva é Heidi) que também vive algures nos Alpes com seu avô e se conforma dificilmente com a vida numa cidade. As réplicas não se limitam à história: mesmo o vocabulário utilizado por Spyri assemelha-se ao de von Kamp - para Büttner, prova bastante de que Spyri simplesmente copiou o texto de von Kamp. O facto de a escritora suíça ter concluído o primeiro livro (Heidis Lehr –und Wanderjahre) em apenas poucas semanas em 1879, sustenta a tese de plágio.
Que Spyri se inspirou nos nomes da literatura mais significativos, é inquestionável. Aliás, o título „Lehr –und Wanderjahre“ (trad. os anos de aprendizagem) reproduz a obra homónima de Goethe (Wilhelm Meisters Lehr –und Wanderjahre). Regine Schindler, biógrafa reputada de Spyri, contrapõe. Admite a possibilidade de Spyri ter lido a obra de von Kamp, já que a autora provinha de uma família instruída (seu pai era médico, sua mãe poetisa), mas recusa a hipótese colocada por Büttner. Recorrer a registos da própria Johanna Spyri torna-se impossível: a escritora destruiu as suas anotações poucos dias antes do seu falecimento....
Por isso, caríssimos leitores: é bem provável que Heidi tenha, para além de uma mãe suíça, um pai alemão. Esta ascendência parental poderá denegrir um pouco a imagem de Spyri. Mas nunca denegrirá o nosso imaginário em torno da nossa querida heroína, chamada Heidi ...
Imagens 1 e 2: Elsbeth Sigmund na adaptação suíça de 1952/55; Shirley Temple em 1937; Johanna Spyri
3 comentários:
Gostei. E claro que li os dois livros de Heidi, e vi as adaptações cinematográficas.
É, aliás, um dos poucos livros que escapou às mãos nada meigas da minha herdeira de livros e brinquedos... Talvez porque eu o tenha resguardado...
Gostei de ler o seu post. É senmpre original a sua maneira de expor.
Tomei contacto com Heidi por causa da minha irmã mais nova e nada a denegrece.
Gostei de ler o seu post.
Independente do livro "Heidi" ser considerado plágio ou não, o que importa é o efeito cativante e comovente que essa obra literária causou nas diversas gerações de leitores em todo o mundo. Isso não deixará de existir mesmo se o plágio for comprovado.
O que não deve ser desconsiderada (na minha opinião) é a importância da obra de von Kamp em relação à de Johanna Spyri, devido a quantidade de semelhanças entre ambas.
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