Prosimetron

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Flor de Amor

Não te culpo, amor, foi por culpa minha, que se não fora feito de barro vulgar
Eu escalava aos penhascos por pisar, e ao mais largo dia, ao mais puro ar.

Do centro louco da paixão defunta, eu tocava a mais melódica cantiga,
Acendia a luz mais clara, mais livre liberdade, e degolava a hidra antiga.

Fosse-me a boca dada ao campo pelos beijos, ao invés de a ter ferida,
Andavas tu junto dos Anjos e de Bice sobre relva de esmalte enverdecida.

Eu trilhava o trilho que Dante trilhou, vendo brilhar os Sóis de sete aros finos,
Sim! talvez por sorte visse os céus se abrir, como se abriram ante o florentino.

E os reinos me dariam uma coroa, que ninguém me dá agora, ninguém sequer me chama,
E, pela alba de Oriente, prostrar-me-ia no umbral do Palácio da Fama.

E sentava-me no círculo de mármore, onde priva com o velho o jovem bardo,
E a flauta verde eternamente mel, e eternamente tangem as cordas da harpa.

Teria Keats erguido os cabelos anelados, no enlevo das papoilas do licor,
Beijado-me com boca de ambrósia, estreitado minha mão com nobre amor,

E quando, na Primavera, a macieira em flor toca o seio brunido duma pomba,
Um par de namorados novos num pomar leria o nosso amor à sua sombra.

Leria a lenda de minha paixão, o amaro segredo de meu coração,
Beijar-se-ia como nos beijámos, mas não seria sua esta nossa cisão.

Porque a vermelha flor de nossa vida é comida pelo cancro da verdade,
E nenhuma mão recolhe as folhas soltas, murchas, da rosa da mocidade.

Contudo não lamento ter-te amado - que mais teria eu feito, um rapaz!
Pois os dentes famintos do tempo devoram, e seguem os passos dos anos atrás.

Sem leme, vogamos na tempestade; e, após a tormenta dos anos primeiros,
Vem por fim, sem lira, ou coro, a Morte, esse mudo timoneiro.

E não nos guarda a campa nenhum prazer, o licranço na raiz se fortifica,
E o Desejo em cinzas se parte, e o lenho da Paixão não frutifica.

Ah! que mais poderia eu senão amar-te! menos doce me era a mãe do Salvador,
Menos doce a Citereia, tal argentino lírio sobre as ondas de esplendor.

Escolhi, vivi os meus poemas, e embora o lustre jovem morra embaciado,
Mais queria a flor da murta do amor do que os louros ao poeta destinados.

Oscar Wilde

Poemas, tradução de Margarida Vale de Gato, Lisboa, Relógio D'Água Editores, 2005, p. 95-99.

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