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Dos secretários que os príncipes têm junto de si
Há, no mundo, duas espécies de príncipes, a saber: aqueles que vêem tudo pelos próprios olhos e governam directamente os Estados; e aqueles que descansam sobre a boa-fé dos ministros, e que se deixam governar pelos que tomaram ascendência sobre o seu espírito.
Os soberanos da primeira espécie são como a alma dos respectivos Estados: o peso do governo impende sobre eles sós, tal como o mundo sobre o dorso de Atlas; regulam os problemas internos, bem como os estrangeiros; todas as ordenações, todas as leis, todos os éditos, emanam deles, que preenchem, a um tempo, os postos de primeiro magistrado da justiça, de general dos exércitos, de intendente das finanças, e, em geral, tudo o que pode ter relação com a política.
Eles têm, a exemplo de Deus, que se serve de inteligências superiores ao homem para realizar as suas vontades, espíritos penetrantes e laboriosos para executar os seus desígnios, e para cumprir no pormenor o que eles projectaram em grande; os seus ministros não são propriamente mais do que utensílios nas mãos de um sábio e hábil senhor.
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Os soberanos da segunda ordem estão como que mergulhados, por falta de génio ou por indolência natural, numa indiferença letárgica, que se assemelha àqueles corpos caídos em desmaio que são chamados à vida por cheiros fortes, espirituosos e balsâmicos. Identicamente, é necessário que um Estado desfalecido por fraqueza do soberano seja sustentado pela sabedoria e vivacidade de um ministro, capaz de suprir aos defeitos do seu senhor. Neste caso, o príncipe não é mais do que o órgão do seu ministro, e não serve senão para representar aos olhos do povo o fantasma vão e a majestade real; e a sua pessoa é tão inútil ao Estado, quanto a do ministro lhe é necessária. Nos soberanos da primeira espécie, a boa escolha dos ministros pode facilitar o seu trabalho, sem, contudo, influir muito na felicidade do povo; nos da segunda espécie, a salvação do povo e a deles depende da boa escolha dos ministros. ...
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Frederico da Prússia, O Anti-Maquiavel, tradução de Carlos Eduardo Soveral, Guimarães Editores, Fevereiro 2000
1 comentário:
Li hoje no DN, na coluna de Ferreira Fernandes:
Não somos o que a osmose nos torna
O príncipe Felipe e a mulher, Letizia Ortiz, estavam a ver um jogo de basquetebol em Pequim. Foram cercados por jornalistas. Letizia foi estagiária no ABC (começou coerente com o seu futuro: um jornal monárquico) e acabou a apresentar o principal telejornal da TVE. Ela perguntou, com aquele franco falar próprio dos espanhóis, a um dos jornalistas: "E tu trabalhas para onde?" Respondeu o outro que para um jornal latino-americano. E não devia ser da imprensa cor-de-rosa porque devolveu a pergunta: quem era ela? Letizia deve ter ficado surpreendida, uma princesa de Espanha habitua-se a ser reconhecida, e respondeu: "Eu sou princesa." Tivesse ela sido torneira mecânica, num encontro de torneiros mecânicos, ela deveria ter dado essa condição nobre: "Fui torneira mecânica." Nós valemos pelo que fazemos, não o que a osmose nos torna. Gostaria de tê-la ouvido apresentar-se assim: "Eu fui jornalista." Depois podia ter acrescentado o resto, simples circunstância.
M.
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