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terça-feira, 27 de julho de 2021

Carta de André Blumel ao padre que o denunciou

 

Léon Blum, Marx Dormoy e André Blumel, no congresso da SFIO, Royan, 1938.

André Blumel, jornalista, judeu agnóstico, membro da SFIO, foi chefe de gabinete de Léon Blum. Fez parte da Resistência e foi preso por duas vezes, da segunda vez, fruto da denúncia de um padre. Eis a carta que Blumel escreveu ao padre após a Libertação:

Senhor Padre,
Talvez se lembre de mim. Éramos vizinhos dado que eu morava em frente do presbitério, nós cruzávamo-nos e saudávamo-nos muito civilizadamente.
Fui preso em agosto de 1942. Estive encarcerado mais de 21 meses e devo a minha liberdade e provavelmente a minha vida à decisão que tomei, realizada em maio 1944, de me evadir alguns dias antes da Gestapo, a quem o governo de Vichy tinha decidido entregar-me, me vir buscar.
Soube, posteriormente à minha prisão, que o senhor teve nela um papel importante, dado que me denunciou por várias vezes às autoridades civis e militares e reclamado com insistência a minha partida da aldeia isolada e minúscula, onde parece que a minha presença o incomodava.
Espanta-me que um eclesiástico exercendo o seu ministério tenha confundido a este ponto o espiritual e o temporal e se tenha diminuído a desempenhar um papel que, por respeito pela veste que usa, não quero qualificar; mesmo o telegrama de aniversário que enviei à minha mãe, obrigada com quase 80 anos a fugir do solo da sua pátria para escapar a perseguições que tudo vos ordenava a condenar, foi objeto de uma observação astuciosa da vossa parte e os vossos propósitos manhosos puseram em perigo a minha condição precária. 
Os anos passam, senhor padre,. talvez tenha refletido sobre o papel que desempenhou nessa época em que o nosso país enfrentou a mais terrível das opressões. Quanto a mim, durante esses mesmos anos que foram pesados para os meus e para mim, encontrei homens com a sua crença, que souberam aliar à fé católica a coragem, a lealdade e o patriotismo. Em lembrança deles, da simpatia que sempre me testemunharam e também por mim próprio, senhor padre, perdoou-o o mal que fez, de nós dois prefiro ser o mais cristão.
Aceite, senhor padre, a expressão do meu profundo respeito pelo ministério que exerce.
André Blumel
(Cit. por Suzanne Blum, in Vivre sans la patrie. Paris: Plon, imp. 1975, p. 129-130. Blumel era irmão de Suzanne Blum.)

7 comentários:

Maria disse...

Se era um denunciante essa carta não lhe deve ter feito grande mossa...

Bom dia!
(voltou o calor 😪)

bea disse...

Uma carta digna. De um Senhor.

MR disse...

Nunca se sabe. Os denunciantes não tiveram vida fácil após a Libertação e no final da guerra.
E Blumel deu-lhe uma bofetada com luva branca, como se costuma dizer.
Bom dia para as duas.

Maria disse...

Até pode ser, mas é minha convicção que o clero 'safa-se' sempre muito bem...
E não só! Uma certa nobreza (que não a de carácter) também: repare só naquele senhorito a veranear na zona mais cara da Sardenha...
Pobre país que tais filhos tem!
Boa Terça!

MR disse...

Tb fiquei estupefacta quando vi que o homem estava a passear na Sardenha. Como não tem dinheiro, deve ter estar à custa de algum amigo...
Bom dia!

Justa disse...

Algunos no merecen el respeto de las instituciones que representan. Otros se lo ganan con su vida.

Deseos de buena semana (por aquí ya veraniega "¡Non sin tempo!")

MR disse...

Totalmente de acordo.
Dizem que amanhã a temperatura sobe. Para mim tem estado bom porque não gosto de calor.
Boa semana! Boas férias!