Prosimetron

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sábado, 23 de setembro de 2023

Marcadores de livros - 2791


De um livro, publicado no ano passado, sobre o assassinato de Aldo Moro. Lê-se bem.

8 comentários:

Pini disse...

Recuerdo a este político italiano y su asesinato por las Brigadas Rojas.Sin duda, fue un gran político
Boa tarde

MR disse...

Aldo Moro queria fazer uma 'geringonça', mas o partido dele, democrata-cristão, deixou-o morrer. Tudo teria sido diferente em Itália. Andreotti era um mafioso...
Boa tarde!

ptcorvo disse...

A partir deste post recupero também a entrada passada sobre o próprio romance, aludindo a um tema que me é caro e que tenho aprofundado nos últimos anos.
Sobre o romance de Teresa Martins Marques: a autora está muito bem informada sobre os contornos do caso Moro, do ponto de vista histórico-judicial. Poderia ter feito um livro de divulgação muitíssimo competente. Optou pelo romance. A passagem ao romanesco "obrigou-a" a aligeirar a carga informativa, factual e dedutiva, para potenciar o drama humano centrado em Moro e numa das sua carcereiras. Ora, na minha leitura, o romance falha nas duas dimensões: na parte propriamente romanesca, literária, e na parte histórica. Sobre este aspeto, por exemplo, passa a vol d'oiseau sobre o rapto em Via Fani, nó górdio de toda a operação, mas cuja explicitação implicaria convocar uma avalanche de dados "técnicos" que inviabilizariam o fluxo romanesco. Começa no atentado ao Italicus de 1974 (e em chave interpretativa que não é segura) mas não menciona os eventos contextuais de 1964 ou 1970. Portanto, fica num meio termo que não serve, na minha opinião, nem o romance, nem a divulgação histórica. Por outro lado, a acção ficcional decorre toda em huis clos, entre Moro e a carcereira Letizia/Anna. Não me pronuncio sobre esta personagem (também conhecida nas investigações como a "loira de Fregene"), mas não dá para esquecer que o ímpeto volutivo neste caso real ocorre, sobretudo, fora da prisão/prisões de Moro, provavelmente à revelia dos operacionais das Brigadas Vermelhas.
Em italiano existem, pelo menos, dois romances sobre a generalidade do caso Moro. De um, publicado há pouco e que não li, não me lembro título ou autor. O outro é do jornalista Antonio Ferrari, intitula-se "Il segreto" e tem uma história editorial curiosa. Enfim, contendo embora alguns elementos "humanos" o romance de Ferrari é sobretudo um relato de espionagem/policial, como quadra aos acontecimentos, com uma hipótese explícita baseada em indícios que o jornalista apurou mas de que não tinha provas cabais. E que, de facto, é genérica e contextualmente unívoca com o que hoje se pensa sobre o caso Moro. Há, pelo lado humano, as memórias/ficções escritas pelos brigadistas (tantos deram em escritores...), de que a mais conseguida do ponto de vista "humano" será a de Valerio Morucci, "La peggio gioventù", ainda que não atinente em específico ao caso Moro.
Em resumo, parece-me que romancear o caso Moro, dada a sua riqueza real em termos geo-políticos, criminais, ideológicos, etc., seja tarefa cujo sucesso só pode ser assegurado por um John le Carré; fazê-lo na base de um drama humano, sobretudo se se aposta em envolver alguma figura brigadista, corre o sério risco de resvalar para uma extrapolação pouco consentânea com o tecido real.

Sobre a "geringonça" moroteia: cuidado com a cilada facilista de que Aldo Moro queria levar o Partido Comunista para o poder. Aldo Moro queria, em contraposição à estratégia da tensão levada a cabo pelos meios conservadores/atlantistas, com bombas, chamar à esfera do poder o PC (partido em ascensão eleitoral, já na casa de mais de 30% de votação) e dar-lhe responsabilidade efetiva, numa dialética democrática, potencialmente de alternância, que reunisse a massa eleitoral maioritária para, por via política, diluir os fenómenos extremos e mortais. Era, no fundo, uma outra via de estabilização política do país, contraposta à via sangrenta das armas (que desestabilizavam para estabilizar, mantendo de fora o PCI). O governo de "geringonça" (Solidariedade Nacional) que tomou posse no próprio dia em que Aldo Moro foi raptado (um governo monocolor da Democracia Cristã, com a não desconfiança/"non sfiduccia" parlamentar do PCI), era o primeiro passo. Para o futuro, estabilizada a via de alternância potencial, a intenção de Aldo Moro seria derrotar eleitoralmente o PCI.

E calo-me já senão não paro...

MR disse...

Concordo com tudo o que diz em relação ao romance. Falei em 'geringoça' de um maneira simplista.
Provavelmente a intenção seria dar o abraço do urso ao PCI. Só que todos os partidos 'clássicos' acabaram abraçados por outros ursos, muito menos recomendáveis.
Bom domingo!

ptcorvo disse...

Olá MR!
Você dá-me corda, depois ature-me...!

Não fui preciso no que escrevi antes. A MR foi exata em relação à "geringonça" moroteia, o chamado "compromesso storico". Eu é que, por atavismo, me apressei logo a pôr o pé à porta em relação a uma enunciação decorrente e que é que Aldo Moro queria levar o PC para o poder (como se o PCI não fosse a 2ª força política mais votada, com um terço do eleitorado!). Resisto sempre a esta formulação porque, por um lado (ainda que não intencionalmente) ela corresponde ao enunciado mental que do ponto de vista geo-político poderá ter "justificado" o assassinato de Moro; por outro, porque ela encerra um empobrecimento das reais perspectivas políticas que o "compromesso storico" abria.
Não creio que fosse perspectivável um "abraço de urso". Os eleitorados de DC e PCI não teriam margem de sobreposição relevante para isso e a diferença de expressão eleitoral dos dois partidos não era tão grande que permitisse uma manobra dessas. Poderia haver, sim, um esmagamento das restantes forças políticas, num quadro de dois pólos alternativos de poder: pela direita e parte do centro-esquerda, uma diluição ou mesmo fusão dos pequenos partidos situados na ampla área DC (Liberal, Republicano, Social-Democrata) na grande "baleia branca"; ao centro-esquerda, uma reconfluência do Partido Socialista ao bojo do PCI. Acabava o partido-Estado (é fartar de rir quando os comentadeiros televisivos falam na "instabilidade italiana") e Itália entrava no modelo político comum de alternância entre duas forças partidárias, com uma base de consenso (como se diz hoje) sobre os grandes projetos políticos e, o que não seria pouco aos olhos de Moro, um reforço do eixo soberanista (é sempre preciso lembrar que o PCI de Berlinguer era a ponta de lança do euro-comunismo, que não punha em causa a NATO, que o próprio Berlinguer defendeu políticas austeritárias, enfim, que Berlinguer foi alvo de uma tentativa de assassinato em Sofia, em 1973, por parte de camaradas internacionais, e que só escapou porque Moro lhe mandou um avião de estado para o retirar da Bulgária antes que ele "falecesse" num hospital local).

Sobre o que disse de a DC o ter deixado morrer, concordo genericamente (ou até mais do que genericamente), mas não me vou alongar sobre certos matizes que acho necessários em relação a figuras como Andreotti (mandante ou propiciador de crimes posteriores ainda relacionados com o caso Moro) ou Cossiga e a participação ou não de cada um no crime (Cossiga, que não me é simpático, não deixa de carregar um peso humano que tem o seu interesse).
Mas sempre acrescento o seguinte: em 1979, Carlo Bó escreveu um artigo no Corriere della Sera, sobre o martírio de Aldo Moro, que intitulou de "Delito de abandono". E, de facto, Aldo Moro foi abandonado por todos, exceto pelo Partido Socialista que tentou a negociação junto das Brigadas Vermelhas (em Roma, através de Claudio Signorile, em Milão, através de Craxi), e, em certa medida, pelo Papa (mas que no fim se teve que vergar às inevitáveis razões de Estado). E talvez o partido que mais o tenha abandonado tenha sido o PCI, que cedo se fechou numa posição intransigente de não negociação (um cordão sanitário em relação aos extremistas de esquerda). Creio que o PCI poderia ter feito muito mais, não fosse esta cristalização, nomeadamente através das suas franjas de confluência com as formações autónomas à sua esquerda, carreando informação que pudesse levar, eventualmente, a outro desfecho. Mas é só um feeling.

E paro já aqui a posta...!

MR disse...

Concordo com o que escreve.
O que me repugna nisto é que o seu próprio partido, Democracia Cristã, não tenha feito nada para o salvar; o tenha aliás deixado morrer, o que para 'cristãos' deixa muito a desejar... Mas, como eu constato todos os dias, há muitos agnósticos e ateus que agem como cristãos do que os qe se apresentam como tal.
Vê-se, pelo livro de TMM, que Aldo Moro tinha uma relação próxima com Paulo VI.
Pode ser que ptcorvo tenha algum livro (en français) que me possa emprestar sobre o assunto que me interessa imenso.
Boa noite!

ptcorvo disse...

MR
Completamente de acordo: felizmente que ainda há ateus e agnósticos para manterem os princípios cristãos!
Sim, a DC nada fez para o salvar, e até impediu iniciativas negociais encetadas pela família. E mentiu à família, e chantageou as famílias de Moro e dos agentes da escolta assassinados, e faltou à mais elementar solidariedade humana (cristã!) para com o seu líder. E, contudo, Francesco Cossiga estava à espera, na manhã de 9 de Maio, da notícia da libertação de Aldo Moro vivo, para o que até convidou Claudio Signorile, do PS, que acabou por ser testemunha involutária do aviso sobre o cadáver. E, contudo, Fanfani iria fazer uma intervenção no Conselho Nacional da DC, marcado para esse mesmo dia 9 de Maio, em que iria abrir uma brecha no muro de firmeza demo-cristã (talvez não fosse suficiente, mas pelos vistos alguém não quis esperar...). Por causa dos contudos que há ao longo desta história é que eu prefiro os matizes, a atenção às zonas cinzentas e seus cambiantes, em vez das designações genéricas. As quais, aliás, têm até a injustiça de subsumir as responsabilidades individuais na grande culpa coletiva! E, sobretudo, nunca esquecer: a grande culpa foi das Brigadas Vermelhas, que o raptaram e mataram, ou que pelo menos assim o assumiram!
Dou-lhe um exemplo que justifica estes meus atavismos defensivos: Ferdinando Imposimato, juíz num dos processos sobre o caso Moro, homem competente e íntegro, publicou em 2008 um livro chamado "Doveva morire". O livro é muito interessante, tem elementos de grande utilidade mas, embora não chegue ao ponto de inocentar as Brigadas Vermelhas, é um requisitório constante sobre as culpas de Andreotti e Cossiga. Por outro lado, este mesmo juíz Imposimato é o mesmo que estabeleceu a teoria da prisão de Moro em Via Montalcini (depois confirmada, interessadamente, pelos brigadistas, e da qual não há prova concreta nem se adequa às perícias forenses feitas sobre o cadáver), é o mesmo que incentivou o encontro de reconciliação entre brigadistas e uma filha de Moro (dizendo a cada uma das partes que a iniciativa tinha partido da outra), e é o mesmo que concorreu para a feitura do chamado "Memorial Morucci-Faranda", uma memória escrita que se tornou a pedra basilar de interpretação do caso, mas que apresenta demasiadas lacunas, incongruências, conveniências e impossibilidades para ser levada à letra (além de ter tido na sua confecção a mãozinha da Democracia Cristã e dos Serviços Secretos...). Portanto, na sua boa-fé e justa indignação cívica, este juíz estava tão distraído com as culpas de Andreotti e companhia que se permitiu, objetivamente (e sem qualquer implícito de má fé ou dolo), fazer o jogo das Brigadas Vermelhas, contribuindo para a sua recuperação cívica (traduzida, claro, em diminuição de penas) e para a difusão de elementos inquinantes dos inquéritos que, até hoje, ainda não chegaram a uma verdade de detalhe satisfatória.

ptcorvo disse...

Aldo Moro (e a mulher) tinham uma relação próxima com Paulo VI desde a militância na Juventude Católica. Não há dúvida de que Paulo VI se empenhou na libertação de Aldo Moro (há quem diga que a dor da morte do amigo concorreu para a sua morte pouco depois), angariando um imponente resgate em dinheiro vivo (junto de financeiros judeus, não junto da banca vaticana...) e levando a cabo diligências negociais. Mas terá sido enganado, sabotado e, finalmente, ter-se-á vergado às razões de Estado. No apelo público que dirigiu às Brigadas ("Io scrivo a voi, uomini delle Brigate Rosse..."), a 21 de Abril, naquela frase "vi prego in ginocchio, liberate l'onorevole Aldo Moro, semplicemente, senza condizioni", há quem veja naquele "senza condizioni" a mãozinha do Presidente do Conselho Andreotti, sabotando o apelo. E, de facto, Aldo Moro escreveria à mulher que "Il Papa ha fatto pochino: forse ne avrà scrupolo".

Sobre livros: nada tenho em francês sobre o caso Moro, e desconheço até edições interessantes nessa língua sobre o caso. Exceção à tradução francesa de "L'Affaire Moro", de Leonardo Sciascia, que tenho em papel e estará ao seu dispor quando o quiser. Faço notar que o livro de Sciascia, saído ainda em 78 logo após os acontecimentos, é um "inquérito literário" baseado nos poucos dados concretos de que se dispunha na altura e na intuição humana do próprio escritor (que depois foi membro da 1ª Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Moro, onde assinou uma relação final minoritária - relação essa que ainda não consta na 1ª edição francesa que tenho, de 1978, mas que foi agregada em edições italianas e francesas posteriores). Apesar disso, Sciascia levantou elementos de interrogação que, muitos deles, ainda hoje são válidos.
A edição francesa (em original ou tradução do italiano) tem-se debruçado mais sobre o conjunto dos "anos de chumbo", havendo obras que dão uma panorâmica interessante onde se inclui e contextualiza o caso Moro. Mas, como eu aproveito o embalo para apurar o meu italiano, leio tudo, ou no original desta língua, ou em traduções de francês para o italiano (lembro um livro de Marc Lazar sobre os anos de chumbo que tenho e li na tradução italiana).