Prosimetron

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domingo, 6 de abril de 2014

A grande bulha e desordem


A grande bulha e desordem que teve uma saloia com uma secia de Lisboa por amor do Paralta, seu filho é o título de uma pequena peça de teatro do século XVIII, de que desconheço o autor, com seis personagens:
- Maricas, saloia (que vende frutas e flores)
- Peralta
- Brites, a mãe do Peralta
- Marujo
- Estrangeiro
- Caixeiro

O entremez pode ser consultado aqui.

O primeiro interesse: o nome da saloia: Maricas - aqui usado não como hipocorístico do nome próprio f. Maria (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, XVI, p. 352; aliás só conhecia, parecido, o hipocorístico Mariquinhas - também de Maria, também poderia ser Marquinhas, usado por uma tia-avó, por afinidade). Mas, no entremez Maricas é usado como nome próprio de uma saloia em oposição a Brites, o nome de uma "sécia", isto é, uma janota da cidade, cujo filho, um peralta, ensaia de engatar.
 
Descreve o cenário e os adereços de cena:
Vista de Praça com colarejas, onde estará Maricas com vários cabazes de fruta e em cima de um terá um ramalhete de flores.

Atente-se na palavra colareja, que ficou para vendedeira de frutas de grande qualidade teve certamente origem nos vendedores de frutas da região de Sintra e depois alargado a toda a região saloia (Loures). (Colarejo o habitante de Colares; aliás o Vocabulario de Português, de Rafael Bluteau, de 1712, informa que junta da vila de Colares existe um ameníssimo vale com pomares tão frutíferos..., vol. II, p. 367). 
E temos um refrão anunciador e introdutor da situação e da época (fim de Agosto começo de Setembro):
 
Bela fruta tenho eu
uvas de primor,
belos figos borjassotes
Chegai casquilhos,
chegai Senhores
 
Uvas de primor que embora apareçam mais cedo são gostosas e apetecíveis, porque o seu amadurecimento é favorecido pelo clima benigno da região de Colares; figos borjassote (cujo nome lembra a primitiva origem em Burjassot, Espanha) são um fruto piriforme e de bom calibre ( 22 figos / kg ), com epiderme verde-amarelada ou preta, polpa rosada, doce e sumarenta, com maturação na 2ª. quinzena de Agosto.
Já agora casquilhos são os janotas (os que se vestem com apuro excessivo, no rigor da moda).
Vejamos agora as qualidades das uvas: rabo de galo; olho de parvo; rabo de ovelha.... mas isso já é outra história.
 
Veja-se só mais uma critica da saloia aos trajes da fidalguia: Nesta cidade tenho visto por essas janelas uns tais toucados infernais, umas com barretes de pasteleiro na cabeça, outras com penachos muito altos, com cadeias de relógio nas orelhas, até por fim, ainda espero ver as mulheres da cidade com bigodes.
- Com bigodes?
- Duvida-o? pois tenho visto que algumas senhores desta terra querem-se em tudo assemelhar aos homens. E tenho razão para o saber, porque quando está a praça muito cheia de lama, boto o ceirão para o pé da porta daquele cabeleireiro, por estar mais enxuto, e tenho visto vários rapazes e homens chegarem à porta e dizerem-lhe: Oh senhor Mestre! manda dizer minha ama se está o riçado penteado - quando elas chegarem a trazer cabeleira, que fará bigodes...  
 
 
 
 

5 comentários:

MR disse...

Não sabia que o habitante de Colares se chama colarejo.
O que vamos aprendendo...

APS disse...

Um início promissor! (Que pede mais...)
Quanto às uvas:Rabo de gato, não conhecia eu, (em tempo, há uma casta de uvas alentejanas denominadas "Rabigato") mas julgo que eram as de bago alongado que, por entre Senhoras, se chamavam - Dedos de dama;e, entre licenciosos cavalheiros, eram referidas como "C.... de galo".

APS disse...

Errata:
onde se lê "Rabo de gato", devia eu ter escrito: Rabo de galo.

MR disse...

As dedos de dama tb conheço, mas não sou muito apreciadora porque são demasiado doces e com pele rija.

Agora, esperamos pelos outros folhetos.

Bom domingo!

ana disse...

Bom dia,
Gostei de ler e aprender um vocabulário estranho para mim.
Grata pela partilha.

Um trecho delicioso. :))