Prosimetron

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Leituras no Metro - 32


Monet - Gare St. Lazare, 1877
Chicago, The Art Institute of Chicago


Monet - Gare St. Lazare: Chegada de um comboio, 1877
Col. particular


Monet - Gare St.-Lazare, 1877
Londres, The National Gallery

«Felizmente que havia Monet, que reagiu de maneira desconcertante. A sua recusa do fracasso e dos outros fracassos que impiedosamente se seguiram concretizou-se sob a forma de uma acção tão inesperada que, quarenta anos depois, o meu pai ainda se ria. A sua paisagem Impressão [que deu origem à palavra impressionista, para designar esta corrente pictórica] tinha sido zurzida principalmente porque "não se via nada". Monet, sobranceiro, encolhia os ombros: "Pobres cegos que querem descortinar tudo através da bruma!" Um crítico tinha-lhe declarado que a bruma não era tema de pintura. "Porque não um combate de negros dentro de um túnel?" Toda esta incompreensão tinha reforçado em Monet a determinação irresistível de pintar algo ainda mais brumoso. Uma bela manhã acordou Renoir com um grito triunfal: "Já descobri... a Gare Saint-Lazare! No momento da partida, as locomotivas lançam um fumo tão espesso que não se distingue praticamente nada. É um encanto, uma coisa feérica." Não era sua ideia pintar a Gare Saint-Lazare de memória, mas ir ao local para captar o jogo dos raios ed sol nas baforadas de vapor saídas das chaminés. "Vai ser preciso atrasar a partida do comboio para Ruão. A luz é melhor meia hora depois da partida." "Estás maluco."
«Os "impressionistas" não tinham nada para comer, no verdadeiro sentido da expressão. Viviam de alguns convites para jantar. O meu pai já nem sequer ia à leitaria habitual, cuja gentil proprietária, a Sr.ª Camille, lhe teria vendido fiado. Tinha medo de nunca mais poder pagar. [...] Cézanne tinha voltado para Aix. Degas fechava-se no seu confortável apartamento da Rue Victor-Massé. Monet estava acima de tais contingências. Vestiu o seu melhor fato, esticou os punhos de renda e, balouçando negligentemente uma bengala com castão de ouro, mandou entregar o seu cartão de visita ao director dos Caminhos-de-Ferro do Oeste, na Gare Saint-Lazare. O porteiro, estupefacto, mandou-o entrar imediatamente. A alta personalidade indicou uma cadeira ao visitante, que se apresentou com a maior simplicidade. "Sou o pintor Monet." O director em questão não sabia nada de pintura, mas não ousava confessá-lo. Monet deixou-o em suspenso durante alguns instantes, até que se dignou anunciar-lhe a grande novidade. "Resolvi pintar a sua estação. Hesitei muito entre a Gare du Nord e a sua, mas acabei por concluir que a sua tem mais carácter." Conseguiu tudo o que queria. Atrasaram os comboios, evacuaram as plataformas, atafulharam as locomotivas de carvão para que elas cuspissem a quantidade de fumo que Monet queria. Este instalou-se na estação como um tirano, ai pintou durante dias inteiros no meio do recolhimento geral, respeitosamente cumprimentado por todo o pessoal, a começar pelo director. Renoir concluía: "E eu que não teria sequer coragem para ir instalar-me na montra da mercearia da esquina!"
«Paul Durand-Ruel não só ficou com as gares Saint-Lazare como ainda adiantou algum dinheiro aos seus protegidos. Esta prova de vitalidade da nova escola foi proveitosa para todos.»

Jean Renoir - Pierre-Auguste Renoir, meu pai. Lisboa: Bizâncio, 2005, p. 147

3 comentários:

Miss Tolstoi disse...

Já não me lembrava destes quadros de Monet. Gostei de reler este trecho que, de tão vivo, vemos a cena.

MR disse...

Estou nas últimas páginas, eadorei o livro.
Durante uns dias, ainda vou colocar uns excertos, difíceis de seleccionar - são tantas as situações engraçadas e o que ficamos a conhecer da vida (e modo de ser) de Renoir e dos seus amigos...

ana disse...

Deve ser interessante. Vou anotar.
Bom dia! :)