Prosimetron

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quarta-feira, 25 de março de 2009

O sono do João, António Nobre.

O João dorme...(Ó Maria,
dize áquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...)

Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!

O João dorme... Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó Mar! fala mais baixinho...
E tu Mãe! E tu Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

O João dorme, o inocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o Mundo,
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...

Ó Mãe! canta-lhe uma canção,
os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir.»

Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!

E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!

Mas para isso, Ó Maria
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...

E os anos irão passando.
Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje, tem
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas,
Morrerá sem o sentir,
Isto é, deixa de dormir:
Acorda, e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...

Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:

Não vá o João acordar...

António Nobre - Breve antologia da Poesia Portuguesa, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009, p. 35-37.

10 comentários:

João Mattos e Silva disse...

Ai que saudades da minha infância... A minha mãe recitava-me isto quando era pequeno!

ana disse...

Achei muita graça quando encontrei este poema porque não o conhecia. É delicioso.
Às memórias.

Miss Tolstoi disse...

E o outro João (Soares) aqui do blogue? Não tem ido ao cinema?

Anónimo disse...

O pobre João só queria
Fazer o que lhe apraz.
A parva da Cotovia
É que não o deixa em paz.

Anónimo disse...

Cá por mim, que adoro dormir (e consigo dormir em todo o lado), não é preciso falarem baixinho... porque durmo às prestações. Achei graça aos dois poemas; Ao do António Nobre e ao de autoria popular/anónimo; na verdade o que mais aprazia ao João (cantado pelo António Nobre) era dormir e todos tinham medo que o falar da Cotovia o acordasse. Até pode servir para embalar...
João

Anónimo disse...

Dormir, o João dormia
Mas sempre de olho aberto
À espera que a cotovia
Lhe viesse poisar perto

Anónimo disse...

O João adormeceu
Com o canto da cotovia.
Foi de o embalar no céu
enquanto entardecia!

Outro anónimo

Anónimo disse...

Há por aqui uns poetas desconhecidos...
Embalar no céu? Para rimar com adormeCÉU?
M.

Anónimo disse...

Pode parecer estranho mas já poetas ilustres, que não eu, usaram esta rima.

Outro anónimo.

Anónimo disse...

Estudei há 60 anos