Prosimetron

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sábado, 23 de janeiro de 2010

A. S. : Escolhas Pessoais XV

Francisco Manuel de Melo



Personagem multifacetada, poeta-soldado, historiador, diplomata, teórico do Poder (“Aula Política, Cúria Militar”, 1720), hagiógrafo, moralista q. b., viajante por dever, por desgraça (degredo no Brasil) e ofício, Francisco Manuel de Melo (1608-1666) é, dos nossos autores antigos, talvez aquele que – afora Camões – melhor conheceu o mundo da sua época e que, mais alargado horizonte tinha, na sua experiência de vida. Cortesão lisboeta, e de outras cortes, viveu a meninice na Calçada do Combro, tendo alternado, na idade madura, entre o Rossio, onde também morou, e a sua quinta de Alcântara. Pelo meio, as prisões: Torre de Belém, Castelo de S. Jorge e Torre Velha (na Outra-banda) onde compôs uma das suas obras-primas: “Carta de Guia de Casados”, editada em 1651. Precoce, na escrita, fez imprimir, com cerca de 20 anos, em 1628, um pequeno livro, hoje raríssimo, com doze sonetos sobre Inês de Castro, e que foi reeditado, em edição fac-similada em 1960, por “ O Mundo do Livro”.



A sua poesia, se bem que agregue toda uma herança conceptista, tem marca própria e, por vezes, um humor muito vivo, até quando refere as suas desgraças e prisões: “Casinha desprezível mal forrada, / Furna lá dentro mais que inferno escura / Fresta pequena, grade bem segura, / Porta só para entrar, logo fechada;…” Amigo de Francisco de Quevedo, com quem privou na corte de Madrid, de que resta uma carta testemunho (L da 2ª Centúria), enviada por Manuel de Melo, e integrada na obra “Cartas Familiares” – talvez o 1ºconjunto de epistolografia da literatura portuguesa.

    Degredado para o Brasil, por motivos ainda hoje não totalmente esclarecidos, o seu testemunho das terras de Vera Cruz é mínimo, se bem que lá tivesse ficado 5 anos. Deixou-nos um soneto que começa assim:

    “São dadas nove. A luz e o sofrimento

    Me deixam só nesta varanda muda,

    Quando Domingos, que dormindo estuda

    Por um nome que errou, lhe chamo cento.

    Mortos da mesma morte o dia e o vento,

    A noite estava para ser sesuda,

    Que desta negra gente, em festa ruda,

xxxxxxEndoudece o lascivo movimento…”



Da sua vasta bibliografia elejo “Carta de Guia de Casados” de que escolhi um pequeno excerto com pretexto e sugestão de que a leiam ou releiam. Aqui vai:

    “ Dizia um nosso grande cortesão, que havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do Diabo, casamento da morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do Diabo, o da Velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o Velho. Ele certo tinha razão, porque os casados moços podem viver com alegria. As Velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia. Os velhos casados com as moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.”

Post de Alberto Soares

2 comentários:

ana disse...

Belo post.
Tenho o Guia de Casados numa edição não luxuosa mas deu-me um grande prazer lê-la.

MR disse...

é um livro fantastico.